E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, dá um furo de reportagem: a volta daquele que não foi. Vamos deixar nosso repórter contar os fatos por ele apurados. Matéria digna de Prêmio Esso.
Pensou que eu nao vinha mais, pensou
Cansou de esperar por mim
Acenda o refletor
Apure o tamborim
Aqui é o meu lugar
Eu vim
(Chico Buarque em “De Volta ao Samba)
O senhor M volta à Paquetá
(Estação de Barcas de Paquetá. Criançada ao fundo. Repórter dá uma talagada num copo de cerveja e entra no ar)
REPÓRTER:
Bom dia. O tantarantantantã de hoje é o seguinte: numas dessas piruetas do destino, o senhor M volta à Paquetá. Quer saber como? Bem, que nem diz a letra do Chico, por enquanto “a notícia carece de exatidão”. Devagar com o andor.
Enfim, ainda não sabemos direito, estamos averiguando, como todo bom jornalismo investigativo que se preze, estamos fazendo a nossa parte, que a gente não tem nada de mosquito fofoqueiro. A gente olha olho no olho mesmo. E não é no olho do mosquito.
Vem comigo colher informações sobre o caso ao redor desta ilha aprazível, também chamada de Pérola da Guanabara.
(Ouvindo pelo ponto)
Pelo que nos foi informado por fonte anônima mas fidedigna, houve um acordo de permuta: a senhora S e a senhorita V ficam doravante no aprazível bairro de Bangu, ao passo que o senhor M e o rapagão A ficam em Paquetá.
CORO:
Que beleza! A terra parece imóvel. No entanto, se move. Enfim, enfim. Quem poderia prever tal desfecho? Quem? Quem?
REPÓRTER: (Voltando)
Extra! Extra! Fui informado de que terá de ser devolvida a placa que o senhor M levou para Bangu*. Era uma placa bonita, ofertada por grandes amigos, honoráveis paquetenses, ao senhor M. Amigo e placas são coisas pra se guardar. E às vezes, pelo jeito, pra se devolver. Uma senhora placa, enfim. Quer saber dos dizeres? (uma criança sobe um cartaz onde se lê a frase abaixo)
“Só sai de Paquetá quem é banana!”
Não é isso, não! (Meio embaraçado. Falando baixo em off) Isso que dá fazer pesquisa por programas de Inteligência Artificial. Bem, neste momento, o estagiário está ligando para o senhor M para perguntar o que está escrito na placa, porque nós não sabemos e por aqui é hora da sesta de São Roque. O quê? O sinal está ruim? Muito provavelmente ele não está em Bangu.
(Fazendo pausa para respirar) Seja como for, se o senhor M está de volta à ilha não faz sentido ficar de posse da placa. Ou faz? Não seria melhor uma balsa? Ai, levei cascudo por me intrometer em assunto particular! Pesando bem a placa, eles que resolvam o caso, entre uma caixa de cerveja e outra. Mas a gente quer saber. Contem com a gente. Contem pra gente.
Rapeize, boletim urgente: um gaiato cogita trocar o apelido do senhor M: em vez de Contramão passa a ser doravante Ave de Arribação ou Avearribá, já na corruptela. Esse pessoal não tem jeito.
O quê? Acharam Doravante muito mais apropriado pro senhor M que Avearribá. Vixe. Cadê minha cerveja?
Indo ao que interessa, o pessoal entende e perdoa. Volta, senhor M, volta, que a vida dá cambalhota e a barca só para na Praça XV. A ilha é uma maravilha. Não dá vontade de ir embora, especialmente quando tem cerveja lampoticamente gelada como essa e esse pôr-do-sol tão à antiga que justifica o uso de circunflexo e hifen. Saúde!
Vou ficando por aqui, que não sou banana.
Agora deixo com vocês esse samba de arranco de compositor anônimo mas fidedigno: (Aparece um sujeito feliz, feliz da vida, de microfone na mão)
“Contramão, Avearribá e Doravante” (Pedro Quintino Tavares, vulgo PQT)
Simbora, senão a gente perde a BAAAAAARrca da HistÓÓÓÓÓria!
Devolve esta placa
Bota a placa lá no bar
Contramão já era
Agora é Avearribá
Avearribá vai pra Bangu
Vai pra Beija-Flor pra Paquetá
Vai pra Zona Norte, Zona Sul
Vai pra Praça XV embarcar
CORO:
E se der na telha o Contramão
Muda de sentido, por que não?
Na Praça XV embarca mas não sai
Vai pra Zona Sul e na ZO é onde cai
Volta Doravante, professor
Embarca em Paquetá pra Beija-Flor
Nota do editor: *O texto da placa diz: “Maurinho, você é uma ilha cercada por amigos por todos os lados“
![](https://bemblogado.com.br/site/wp-content/uploads/2025/02/maurinho-na-barca-768x1024.jpeg)
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.