O Brasil e o avanço da extrema direita

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A taxa de aprovação de Lula está muito acima da aprovação dos governos europeus e do governo norte-americano. Porém, nada deve obscurecer o fato altamente preocupante do avanço da extrema direita na Europa e nas Américas

Por Liszt Vieira, compartilhado de Le Monde Diplomatic




O visível crescimento da direita e da extrema direita na Europa e nas Américas é um fato que vai impactar a política brasileira. Os fatores exógenos sempre tiveram peso na conjuntura política doméstica de qualquer país, principalmente nos países periféricos das grandes economias mundiais. No Brasil, entretanto, a situação não parece catastrófica, pelo menos por enquanto.

Manifestação de bolsonaristas em 25 de fevereiro, na Avenida Paulista (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Manifestação de bolsonaristas em 25 de fevereiro, na Avenida Paulista (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Pesquisa do DataFolha de março deste ano mostra que 41% dos entrevistados se consideram petistas, e 31% se consideram bolsonaristas. O Gráfico abaixo mostra em detalhes a escala de posicionamento político.

Fonte: Datafolha
Fonte: Datafolha

Diante desses números, fica difícil aceitar que a esquerda morreu. Os que se identificam com o petismo podem ser considerados de esquerda, sem esquecer que muitos de esquerda não se identificam com o petismo. E os que se identificam com o bolsonarismo são, é claro, de direita, lembrando também que existe uma direita não bolsonarista.

Assim, a tese de que a esquerda morreu é mais ideológica do que sociológica. Diria até que a esquerda cresceu no Brasil em relação aos dados de décadas atrás. Nos anos 1980, o saudoso cientista político Wanderley Guilherme dos Santos dizia que, no Brasil, 30% votam na direita, 30% votam na esquerda, e as eleições são decididas pelos 40% restantes que compõem o eleitorado flutuante.

Pesquisa Quaest divulgada em 6 de março aponta que 51% dos entrevistados aprovam o trabalho do presidente Lula, enquanto 46% desaprovam. Toda a mídia ressaltou o fato de Lula estar caindo, já que na última pesquisa seu índice de aprovação era de 54%.

Por sexo, Lula vence no eleitorado feminino por 45% a 30%, e no eleitorado masculino por 37% a 33%. No recorte por região, a pesquisa da Quaest aponta que a aprovação do trabalho de Lula é maior no Nordeste e no Centro-Oeste/Norte, e pior no Sul e no Sudeste. Entre os entrevistados da região Nordeste, 68% aprovam o trabalho do presidente, enquanto 31% desaprovam. Já no Centro-Oeste/Norte há um empate técnico com vantagem numérica para os que aprovam Lula: 50% x 47%.

Segundo a pesquisa, a região Sul é a que registrou o maior índice de desaprovação do trabalho de Lula: 57% contra 40% dos entrevistados que aprovam. Já no Sudeste, 52% desaprovam o presidente, enquanto 44% aprovam.

O comportamento dos eleitores por renda familiar é mostrado no gráfico abaixo.

É interessante comparar a aprovação do governo Lula com a de outros presidentes de países ocidentais. A aprovação do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, teve queda em janeiro deste ano de 40% para 38%, segundo pesquisa Reuters/Ipsos.

Na França, a popularidade do presidente Macron caiu em março do ano passado para 28% em função principalmente da reforma da Previdência. Em dezembro de 2023, 70% do Reino Unido estava contra o governo do primeiro-ministro Rishi Sunak. Na Alemanha, de acordo com o instituto de pesquisa infratest-dimap, apenas 19% dos eleitores estão satisfeitos com Scholz. Nenhum chanceler federal alemão foi tão impopular desde que o instituto começou a fazer pesquisas em 1997.

O quadro abaixo compara a aprovação do governo do presidente Lula com a de outros governos da Europa e dos Estados Unidos.

PAÍSPRESIDENTE ou PRIMEIRO MINISTRO% DE APROVACAODATA DA PESQUISA
BRASILLULA51%Março 2024
EUABIDEN38%Janeiro 2024
FRANÇAMACRON28%Março 2023
REINO UNIDOSUNAK30%Dezembro 2023
ALEMANHASCHOLZ20%Dezembro 2023

Como se vê, apesar de a mídia enfatizar queda na popularidade, a taxa de aprovação de Lula está muito acima da aprovação dos governos europeus e do governo norte-americano. Tomamos como exemplo apenas alguns países europeus considerados democracias, e deixamos de lado outros por dificuldade de acesso a dados.

Nada do que foi dito acima deve obscurecer o fato altamente preocupante do avanço da extrema direita na Europa e nas Américas. Na Europa, já estão no poder na Itália, Hungria e Polônia. Avançam na Suécia, Finlândia, Grécia, França, Holanda, Portugal e Alemanha, onde o partido de extrema direita AfD está emparelhado com os social-democratas do SPD, tendendo a ultrapassar.

É curioso notar que um grande número de partidos de direita radical — como a Liga na Itália, Marine Le Pen na França e o Partido da Liberdade Far na Áustria, tinham tradicionalmente laços estreitos com Moscou. Como se sabe, Putin apoia expressamente Le Pen na França e Donald Trump nos Estados Unidos, que continua favorito para as eleições de novembro próximo, apesar de todos os processos contra ele.

A eleição para o Parlamento Europeu, que ocorre em junho, será um teste importante. Pela primeira vez, pesquisas de opinião apontam que a extrema direita lidera as intenções de voto ou apresenta resultados expressivos em alguns grandes países do bloco. Confirmadas as projeções, a extrema direita será a terceira maior força política no Parlamento Europeu.

Um exemplo assustador é a França onde, de acordo com a Portland Communications, candidatos dos dois partidos de extrema direita podem obter até 39% dos votos. Enquanto isso, o grupo do presidente Emmanuel Macron, de centro direita, aponta para um resultado de apenas 14%. Na última eleição presidencial francesa em abril de 2022, no primeiro turno a direita liberal (Macron) recebeu 28% dos votos, a extrema direita (Marine Le Pen) ficou em segundo lugar com 23% e a esquerda reunida na coligação França Insubmissa (Jean-Luc Mélenchon) ficou em terceiro lugar com 20%.

O Partido Socialista, que no passado elegeu François Mitterand para presidente, obteve, com a candidata Anne Hidalgo, apenas 1,7% da votação. E o Partido Comunista, com o candidato Fabien Roussel, conquistou 2,3% dos votos. O PC e o PS, muito longe da força politica do passado, sofreram transferência de votos para a direita e a extrema direita, cujo crescimento na Europa e nas Américas terá certamente um impacto na política brasileira. O prestígio pessoal do inelegível Bolsonaro tende a cair com a, por enquanto, ameaça de prisão, mas nada indica que a extrema direita irá se enfraquecer. Alguns herdeiros do ex-presidente já começaram a disputar seu espólio político, com destaque para o atual governador de São Paulo.

É bom não esquecer que a maioria dos empresários, principalmente do agronegócio, dos parlamentares e dos militares continuam apoiando a extrema direita. As eleições municipais de outubro deste ano poderão ser um indicador para a elaboração de projeções políticas visando à eleição presidencial de 2026. Será um bom momento para avaliar se a política de alianças do atual governo renderá frutos políticos e se a política de conciliação do governo Lula com o mercado, os militares e os parlamentares será ou não bem acolhida pelo eleitorado.

Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92.

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