Por Enio Squeff, Ateliê Squeff –
A famosa exclamação latina cunhada por Cícero (orador romano) “Quosque tandem abutere patientia nostra, Catilina” (“Até quando abusarás de nossa paciência, Catilina”) talvez pudesse ser aplicada a Temer: ele está exacerbando todas as nossas doses de tolerância. É merecedor de quase todos os xingamentos que lhe possamos dirigir. Mas Temer é o rabo visível de uma ratazana que está roendo a moral do Brasil. Que o digam os desempregados. os empresários falidos, os pedintes que ainda ontem tinham casa para morar, o povo sofrido e, sobretudo, desesperançado. É que a ratazana é compósita: talvez, como no poema de Mário de Andrade ( “Quando eu morrer”), tenha um rabo realmente chamado Temer, mas uma cabeça denominada STF, um corpo formado pela grande maioria do congresso, e uma garganta que emite guinchos que são da grande imprensa; e morde pelos dentes de uma polícia violenta, quando não por membros desfibrados das Forças Armadas. Temer é apenas uma ponta. O resto é a sua entourage, a ratazana.
Feita a constatação, é melhor que não elejamos Temer o único responsável pelo que aí está. Hitler não criou seu Reich sozinho.Teve a sustentá-lo um judiciário infame, um empresariado estúpido, um parlamento pusilânime e corrupto, além de uma imprensa acanalhada, bem falante ou escrevente (como se queira) mas praticamente todas as instituições se colocaram a postos para assaltar o poder para o nazismo. E, afinal, conseguiram. Tal e qual no Brasil.
“Fora Temer” tudo bem. Mas a ratazana vive sem rabo – e o resto que lhe sobra, para justificar um tipo como Rodrigo Maia, na presidência, logo assomará no Supremo; e um ministro qualquer – desses que nos acostumamos a ver a engrolar besteiras debaixo de suas togas – logo o justificará, ainda que sob a proteção de um parlamento que não cabe em si de torpezas e ridicularias.
Estranho: todos proclamam o fim das teorias marxistas, mas tudo o que ele previu para o capitalismo está rigorosamente acontecendo no Brasil. Predomínio do capital financeiro, completa partidarização da Justiça – sempre aparelhada para defender as elites – um parlamento podre,(” o melhor que o dinheiro pode comprar”, como dizia Mark Twain), uma imprensa amarrada ao pior do empresariado, forças armadas e policiais exclusivamente a favor da Casa Grande: tudo que o marxismo mais rastaquera previa- tudo, em suma, viceja, escancaradamente, por aqui. Prever o pior, pode ser um exercício como a da Cassandra grega- aquela que só fazia maus presságios.
Mas é o que é.
E não me culpem só o Temer, pelo amor de Deus. Com seu “physique du role” à feição, ele é, sem dúvida, o interlocutor adequado para as conversas meliantes com os Joesleys, os Gilmar Mendes, os Sérgios Moros, os Aécios e outros figurantes menores. Mas não é o napoleãzinho que talvez os incautos pensem. A ratazana desenhada lá atrás por Karl Marx, e Lenine, só para citarr dois, essa continuará mandando a despeito de todos os brasileiros ou dos rabichos de ocasião. E não se iludam que o bicho não fale, ou grunha, ou morda pelo Estadão, a Folha, a Globo e tutti quanti. A ratazana do Brasil com seu rabo em forma de Temer, é gorda e insaciável. Até um marxista de fancaria sabe disso.