Quase 21 milhões de brasileiros sofrem com jornadas excessivas de trabalho, que comprometem a saúde e a qualidade de vida
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Estudo recente da Unicamp revela uma realidade alarmante: 20,88 milhões de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil extrapolam as 44 horas semanais previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), enfrentando jornadas exaustivas que afetam profundamente sua saúde física e mental.
Embora a legislação estabeleça uma carga máxima de 44 horas semanais — com limite de 8 horas diárias e, no mínimo, um dia de descanso por semana — muitos profissionais são submetidos a rotinas muito mais longas, principalmente devido a escalas como o modelo 6×1, que impõe seis dias consecutivos de trabalho para apenas um de descanso.
A sobrecarga evidenciada vai além do número excessivo de horas trabalhadas: ela compromete a qualidade de vida, prejudica o convívio familiar e social e coloca em risco a saúde física e mental da classe trabalhadora, revelando uma desconexão preocupante entre o que a lei garante e o que de fato se pratica no mercado de trabalho.
O levantamento, intitulado “O Brasil está pronto para trabalhar menos”, foi coordenado pela economista Marilane Teixeira e elaborado em parceria com as pesquisadoras Clara Saliba, Caroline Lima de Oliveira e Lilia Bombo Alsisi, com base em dados da PNAD Contínua do IBGE. O estudo reforça a necessidade de reduzir a jornada de trabalho sem redução salarial e de abolir a escala 6×1. Caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) — apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL/SP), que propõe o fim dessa escala — seja aprovada, pelo menos 37% da força de trabalho brasileira será beneficiada pela redução da jornada, sem afetar a produtividade das empresas.
As mudanças sugeridas representam ganhos tanto para os trabalhadores quanto para as organizações. Experiências em setores como o metalúrgico, vestuário, comércio e telemarketing indicam que jornadas menores não apenas aumentam a eficiência, mas também reduzem o adoecimento e promovem um clima organizacional mais saudável.
Essas reivindicações, que integram a pauta da classe trabalhadora, foram entregues ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva após a marcha realizada em Brasília, no dia 29 de abril. Durante o evento, sindicatos e movimentos sociais reforçaram a urgência de mudanças nas condições de trabalho, em especial a redução da jornada sem perda salarial.
Opinião da Contee
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) manifesta total apoio às iniciativas de redução da jornada de trabalho e extinção da escala 6×1. Para a entidade, é inaceitável que, em pleno século XXI, milhões de trabalhadores ainda estejam submetidos a rotinas que esgotam não apenas seus corpos, mas também suas mentes.
“A jornada exaustiva, imposta por lógicas produtivistas ultrapassadas, mina a saúde mental dos trabalhadores e prejudica profundamente a educação. Docentes e funcionários de instituições de ensino enfrentam não só a pressão cotidiana das salas de aula e das demandas administrativas, mas também os efeitos de uma vida sem tempo para o cuidado pessoal, o convívio familiar e o descanso essencial”, afirma a entidade.
A Contee reforça que o direito ao descanso e à desconexão não é um luxo, mas uma necessidade humana e constitucional. Dados do estudo da Unicamp apontam que, só em 2024, o Brasil registrou mais de 470 mil afastamentos por transtornos mentais relacionados ao trabalho — número recorde desde 2014 e um crescimento de 68% em relação ao ano anterior.
Trabalho e sofrimento: Um retrato do Brasil
O setor de comércio e serviços aparece entre os mais afetados. A rotina imposta pela escala 6×1 — como trabalhar de terça a segunda, com folga apenas na quarta-feira — tem levado à alta rotatividade e ao aumento dos pedidos de demissão. No telemarketing, por exemplo, mais da metade dos desligamentos foram voluntários em 2024. Essa realidade escancara o cansaço e a crescente insatisfação da juventude trabalhadora, que já não aceita trocar sua saúde por salários baixos e jornadas desumanas.
Hora de avançar
A economista Marilane Teixeira, em entrevista concedida ao Portal da CUT, disse que os custos para as empresas são mínimos ou inexistentes, pois os ganhos de produtividade compensam a redução das horas trabalhadas.
Além disso, os setores de comércio e serviços, que não competem com produtos importados, podem se adaptar com novas formas de organização do trabalho, como a contratação de mais profissionais e a redistribuição de turnos.
“Reduzir a jornada e acabar com a escala 6×1 são medidas complementares e urgentes. Ambas tratam da reorganização da vida e do trabalho, em especial para as mulheres e trabalhadores de grandes cidades, que enfrentam jornadas duplas, transporte precário e pouco tempo para o lazer e o cuidado familiar”, concluiu Marilane.
Confira aqui o estudo completo feito pela Unicamp.
Por Romênia Mariani