O Brasil não conhece o Brasil

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Por Ulisses Capozzoli, no Facebook

O Brasil tem ao menos duas condições que, combinadas, são únicas no mundo. O que significa dizer que são endêmicas, específicas de um determinado ambiente: o Brasil. A primeira delas é que neste começo de século 21 temos sertanistas. Técnicos com alguma formação em antropologia (nem sempre) para tratar com populações indígenas. Parte delas indígenas isolados.




E antes que algum espírito romântico possa pensar que são povos isolados desde que Cabral pôs os pés nas alvas praias da Bahia, é preciso dizer que não se trata disso. Povos indígenas isolados já tiveram contatos anteriores e, traumatizados pela experiência, buscaram refúgios nas profundezas da floresta. A tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia é uma dessas áreas na Amazônia Ocidental. Aqui, um segundo paradoxo. Presidente Figueiredo, a 128 km de Manaus, ainda que incluído na região metropolitana da capital do Amazonas, abriga indígenas isolados.

O paradoxo: a Zona Franca de Manaus produz equipamentos da era espacial e os isolados que integram sua região metropolitana vivem da caça e coleta, o que significa que não praticam agricultura. A agricultura que nasceu no Crescente Fértil, no Oriente Médio, há 12 mil anos. Conclusão: na região metropolitana de Manaus, no coração da Amazônia, temos culturas separadas entre si por 128 quilômetros e defasagem de pelo menos 12 mil anos.

Um alívio parcial: Presidente Figueiredo não homenageia o militar que foi presidente da República e dizia preferir “o cheiro de cavalos ao cheiro de povo”, o equivalente a uma violenta porrada verbal na cara de cada um de nós. A cidade tem seu nome ligado a João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), primeiro presidente (governador) da Província do Amazonas, ao longo do Império. Ufa! Por bem pouco.

A segunda especificidade brasileira é a de ter pobres de direita. Gente esfolada por uma mentalidade defasada já no passado (sempre a referência ao tempo…), mas que presta tributos (pesados) e vassalagem aos que a torturam e fazem de suas vidas um inferno. Como compreender mecanismos como esses, que nos prendem a uma situação de que temos enorme dificuldade de nos livrarmos? Matar essa charada parece ser parte do grande desafio nacional.

Bem recentemente (outro descompasso no tempo) parte da sociedade começou a desconfiar da influência do escravismo, coisa de que o Brasil nunca se livrou inteiramente. Daí o sorriso irônico, que testemunhas da época relatam, por parte de Machado de Assis, enquanto a princesa Isabel assinava a lei que, teoricamente, punha fim a essa barbárie. O grande Machado, mulato que, anonimamente, teria dificuldade em frequentar hotéis e restaurantes mais sofisticados por aqui. Claro, se ainda estivesse vivo. Ou encontrasse um atalho no tempo para checar como ficaram as previsões que fez à época em que viveu (1839-1908).

Um substrato mental, uma forma de conceber o mundo, legado pela mentalidade senhorial parece ser o problema estrutural do Brasil. Um país atrasado é, em essência, um pais de mentalidade atrasada. Lula, goste-se ou não dele, com pelo menos 30% dos votos em uma pesquisa publicada neste fim de semana, está confinado à prisão. É o único entre os acusados, sem uma prova convincente, na avaliação de juízes que não perderam a compostura. Os demais acusados, com provas inequívocas, todos soltos. Aécio Neves, o autor de “mande um [mensageiro] que a gente possa matar antes que venha nos delatar”, livre para retornar ao Senado, de onde nunca saiu.

E o presidente da República, de nominação dispensável, que a cada semana sofre uma acusação do pior banditismo. Também livre, com acenos de que possa ser “preso quando deixar o poder”. Até lá continuará o exemplo do que uma sociedade tem de mais detestável: a corrupção mais nojenta, e a farsa mais repugnante”.

Mas, como costuma repetir a presidente da “corte suprema” Carmem Lúcia: “as instituições continuam funcionando”. Para preservar o passado, a truculência, o banditismo, a corrupção, o oportunismo, carreirismo. Mas, dessa segunda parte ela não fala…

 

 

Vídeo com Elis Regina, cantando “Querelas do Brasil, de Aldir Blanc e Maurício Tapajós,  postado pelo Bem Blogado

Foto: Funai

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