O brilho do jornal e a demissão de um profissional do melhor jornalismo

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Numa edição comemorativa de aniversário do jornal O Povo, que presidia, Demócrito Dummar, nos anos 1980, escreveu que um jornal era um empreendimento coletivo em que centenas fazem o trabalho pesado, o que permitia que alguns brilhassem individualmente em cada edição. Esse brilho era a substância que alimentava a relação de satisfação e confiança com leitores e com a sociedade.

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Saltando ao começo dos anos 1990. Num momento difícil de sua carreira profissional respeitadíssima, o jornalista Aloisio Biondi deu palestra a convite de uma instituição de executivos financeiros, sobre a imprensa e o mundo dos negócios. Numa conversa reservada, Biondi relatou altos e baixos de um profissional sério e independente na estrutura dos grandes jornais e revistas. Ele disse que veículos em crise o contratavam para fazer jornalismo de verdade, do interesse legítimo da população. Depois de um tempo, quando a venda de exemplares crescia e os anunciantes voltavam e a crise passava (por causa do salto de qualidade), os donos o demitiam (o bom jornalismo não era mais a prioridade). E Biondi esperava ser contratado por outro jornal ou revista em crise. Sim, os anunciantes gostam de jornais e revistas que vendem muito, mas o jornalismo de qualidade em defesa da população não lhes convém. Esta é a explicação para parte da instabilidade desses veículos de comunicação.

Jânio de Freitas é profissional de referência na imprensa brasileira. Como editor, tocou o projeto gráfico e editorial do Jornal do Brasil (que era antes um jornal reconhecido apenas por seus anúncios classificados)um caso de sucesso completo. Jânio era destaque de um grupo que realizou essa (digamos) revolução. Jânio fez depois, na Folha de S. Paulo, a inesquecível e jamais desmentida reportagem investigativa que antecipou resultados de uma licitação bilionária (Ferrovia Norte-Sul, governo Sarney) do governo federal com as maiores empreiteiras do Brasil. Jânio era também um gestor da área industrial e de controle de custos, dois temas delicadíssimos na imprensa. Seu texto é personalíssimo, seu estilo é único e em questão de conteúdo, insuperável. Jânio é talvez o mais bem informado dos jornalistas brasileiros. Relevância, independência e compromisso com o bom jornalismo e com o país são alguns dos princípios que marcam sua trajetória reta.

A Folha foi durante muito tempo um jornal de alta qualidade. Gozou de excepcional prestígio. O jornal tinha tanto prestígio quanto Jânio de Freitas, não mais. A Folha vem mudando. A Folha não é mais o negócio principal da família Frias. O negócio principal passou a ser um banco. O caderno de economia passou a se chamar apenas “Mercado”, e isso diz muito. No seu melhor momento, o slogan da Folha era “de rabo preso com o leitor”. Como seria seu slogan hoje?

Jânio de Freitas escrevia três vezes por semana e era membro do Conselho Editorial da Folha no seu auge. Ultimamente, só escrevia um texto por semana e foi afastado do Conselho. Hoje foi demitido.

A Folha não parece estar em crise financeira. A Folha parece estar se dispensando de fazer o melhor jornalismo. Com certeza está perdendo o brilho.

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