Por Ulisses Capozzoli, Facebook
Tirésias, o maior adivinho grego era cego, sugerindo que, aquilo que à primeira vista pode parecer paradoxo, na verdade possa ser pré-condição. Ou, só o puro paradoxo.
Tirésias nem sempre havia sido cego.
Ainda que, por obra do imponderável, viesse a enxergar mais que seus olhos biológicos pudessem ver.
Confirmando o que um príncipe da Dinamarca diria séculos depois:
─ Há mais mistério entre o céu e a Terra que sonha nossa vã filosofia, referência antiga ao que hoje reconhecemos como ciência.
Gregos antigos tiveram um completo encantamento pela tragédia, percepção que perdemos como cultura capaz do que parecem grandes prodígios. Como navegar entre as estrelas.
Mas impotente, no caso de um de seus membros, na natureza selvagem.
Incapaz, um humano isolado, de produzir uma chama de fogo.
Identificar onde a água flui do corpo da Terra.
E o que pode nutrir seu organismo ameaçado pela solidão.
Somos fortes ou fracos, nós, os humanos?
Essa é uma das inúmeras perguntas que permanecem sem resposta.
Talvez para sempre. Até o último homem ou a última mulher se olharem no espelho, caso espelhos subsistam no futuro remoto, e indagarem da imagem refletida:
─ Sou forte. Ou fraco?
Tirésias, nascido em Tebas, era filho do pastor Everes e da ninfa Chariclo, que agora nomeia um asteroide entre Saturno e Urano.
Tirésias, entre outros feitos semidivinos, ficou famoso por ter vivido sete anos como mulher.
Como isso aconteceu?
A caminho de suas preces, em um monte isolado, teria encontrado um casal de serpentes copulando que o ameaçaram. Ele matou uma delas, a fêmea. E isso o transformou em mulher.
Tempos depois, no mesmo percurso, teria reencontrado as cobras e, dessa vez, eliminou o macho.
O que fez com que retornasse ao seu antigo gênero.
Com a experiência que acumulou, Tirésias foi chamado pelo poderoso Zeus, o deus dos deuses, e por Hera, deusa do casamento e da maternidade, para uma decisão difícil.
Quem teria mais prazer na relação sexual, indagaram os deuses: o homem, ou a mulher?
Hera apontava o homem e Zeus argumentava com a mulher.
Tirésias decidiu a questão, sabendo do risco que corria. Dividiu o prazer em dez frações iguais e atribuiu nove delas à mulher e uma única ao homem. Isso teria irritado Hera, que o condenou à cegueira. Mas, Zeus, compadecido de sua sorte trágica, deu a ele o dom da previsão.
Há uma versão na mitologia de que cegueira de Tirésias se deveu a um castigo por ele ter furtivamente observado Atena, deusa da sabedoria e da civilização, banhando-se nua, em uma fonte.
Tirésias é uma alegoria trágica.
A tragédia que os gregos antigos amaram como nenhuma outra civilização na obscura história da humanidade.
É o terror completo de saber, quando o saber não serve de nada para quem o possui.
Ao contrário, é quase uma forma sofisticada de maldição.
Ludwig Boltzmann (1844-1906), físico austríaco, famoso por trabalhos na área da termodinâmica, investigação das transformações da energia, suicidou-se no norte da Itália, pela rejeição de ideias que, depois disso, se mostraram procedentes.
Tirésias aparece nas mais diversas manifestações da cultura grega.
Aparece na inevitável Odisseia de Homero, quando Ulisses se descobre incapaz de reencontrar o caminho de volta para casa.
E recorre ao talento refinado com que Zeus havia recompensado Tirésias.
Os gregos antigos foram uma cultura absolutamente notável.
Mas isso não impediu que fossem engolidos pelo tempo.
Talvez esse destino tenha ocorrido a Francisco de Goya (1746-1828), pintor espanhol, quando fez a impressionante imagem de Saturno, personificação de Cronos, deus do tempo, devorando um de seus filhos.
A pintura foi feita no reboco da casa que ele havia comprado em 1819, numa propriedade rural.
A Quinta del Sordo (Quinta do Surdo), nos arredores de Madri.