‘O capitalismo, quando entra em crise, vai para a extrema direita’, diz Alysson Mascaro, professor da USP

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O docente associa as crises intrínsecas ao capitalismo ao avanço do fascismo no Brasil e no mundo

Por José Eduardo Bernardes, compartilhado de BDF




O jurista Alysson Mascaro, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) – José Bernardes/Brasil de Fato

Esta sociedade organiza uma forma de percepção de mundo de sofrimento

O avanço da extrema direita no Brasil e no mundo é uma consequência direta das crises intrínsecas ao capitalismo. A constatação é do professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Alysson Mascaro, em entrevista ao Brasil de Fato.  

Em suas palavras, “o fascismo não é um problema da falta de leis, de vergonha na cara ou de problema moral – embora também possa haver uma questão de leis, diques de contenção institucionais ou mesmo um apelo moral para que as pessoas não sejam fascistas”.  

Esses fatores, no entanto, não são significativos dada a estrutura de exploração que sustenta o capitalismo. “Seres humanos organizam a sua vida por 40, 50 e 60 anos para acordarem de manhã, trabalharem para alguém que eles eventualmente nem sabem quem, deixarem o filho na creche para voltarem no final do dia cansados, pegarem o filho e ter pouquíssimas horas de vida para fazer aquilo que poderia ser o prazer da sua vida”, afirma.  

“Isso é o capitalismo. Esta sociedade organiza uma forma de percepção de mundo de sofrimento. Em qualquer sociedade capitalista as pessoas sofrem”, diz. “De tal sorte que o capitalismo, quando entra em crise, vai para extrema direita. Sem o recurso das instituições e da democracia, o capitalismo aumenta o flagelo em cima da classe trabalhadora.” 

Confira a entrevista na íntegra no vídeo acima e, abaixo, leia trechos da conversa com Alysson Mascaro:

Brasil de Fato: Professor, o senhor tem se dedicado a estudar o tema da extrema direita e do fascismo já há algum tempo. Na Europa, era um movimento que não precisava ser recebido à mesa. Agora, com a eleição no Parlamento europeu no último mês de junho, as coisas mudaram. Como o senhor avalia esse avanço da extrema direita no continente europeu? 

Alysson Mascaro: Fascismo não é um problema da falta de leis, de vergonha na cara ou de problema moral – embora também possa haver uma questão de leis, diques de contenção institucionais ou mesmo um apelo moral para que as pessoas não sejam fascistas. Mas isso é quase nada. O fascismo é o problema do capitalismo. O capitalismo é um modo de produção de exploração. 1% da humanidade explora e 99% são explorados. 

Quem está me vendo é explorado certamente, porque é quase uma probabilidade estatística. Se você trabalha, você é explorado. ‘Ah, mas eu trabalho e tenho um carro’: você é um explorado com carro. O explorador é o dono da fábrica de automóvel. Você não é o detentor dos meios de produção, você só tem um carro. 

Uma sociedade que é da exploração é uma sociedade que sangra, porque extrai a riqueza da maioria da população para uma minoria acumular. Então essa minoria acumula coisas inenarráveis. Elas não têm só um celular melhor do que o da gente. Elas têm a fábrica do celular. Elas têm terras. Elas têm indústrias.  

Seres humanos organizam a sua vida por 40, 50 e 60 anos para acordarem de manhã, trabalharem para alguém que eles eventualmente nem sabem quem, deixarem o filho na creche para voltarem no final do dia cansados, pegarem o filho e ter pouquíssimas horas de vida para fazer aquilo que poderia ser o prazer da sua vida. Isso é o capitalismo. Esta sociedade organiza uma forma de percepção de mundo de sofrimento. Em qualquer sociedade capitalista as pessoas sofrem.  

Portanto, quando essa sociedade entra em crise estrutural, quando a burguesia não consegue mais arrancar uma taxa de acumulação do povo tão grande por contradições do próprio capitalismo, a burguesia percebe que existe a possibilidade de que o povo se revolte. A vida do povo nunca é boa no capitalismo, nem para classe trabalhadora do campo, nem da cidade, nem para quem é da indústria, nem para quem presta serviço ou está no comércio. Tudo é ruim. Apenas existem variações do mesmo ruim.  

Então nesta situação, vai que o povo vota em eleições em gente que defende o povo. Vai que o povo se cansa desta forma teatral da democracia na qual sempre é o rico que ganha. Mas é sempre a classe trabalhadora do mundo se autoflagelando, porque em eleições na maior parte do mundo, é o pobre votando contra o seu interesse imaginando estar votando em favor do seu interesse. O candidato vem com uma pauta moral, manda meme de gatinho dizendo para votar no partido, e sempre o meme da direita é mais bonitinho do que da esquerda, porque tem recursos.  

De tal sorte que o capitalismo, quando entra em crise, vai para extrema direita. Sem o recurso das instituições e da democracia, o capitalismo aumenta o flagelo em cima da classe trabalhadora. A crise do capitalismo sempre leva a burguesia a tomar uma posição de extrema direita. Quando algum movimento social se levanta ou quando eventualmente um governo de esquerda ganha uma eleição em qualquer país do mundo e começa uma pequena reforma, isso já acende um sinal de alerta da burguesia.  

No Brasil com Lula e Dilma, bastou uma alteração pontual na miséria da classe trabalhadora, que passou a ser menos miserável. Então vem um golpe contra Rousseff, que sofre um impeachment por causa de uma tal pedalada fiscal, que eu, como jurista, nunca encontrei no Código Penal. Nós temos um quadro no qual o capitalismo está em crise e a sua solução historicamente é para extrema-direita. É a forma do capitalismo se manter massacrando ainda mais o povo destas sociedades. 

Além disso, teve a crise de 2008 que abriu uma crise econômica e social na Europa e o fim do Estado de bem-estar social. Acho que esses fatores trouxeram esse ambiente mais provável, certo? 

Faz com que grupos da classe trabalhadora mantenha outros grupos da classe trabalhadora, exatamente para que todos esses grupos juntos não matem a burguesia. Então efetivamente a solução da extrema direita é a solução do capitalismo sempre. O fascismo não é um problema moral. O fascismo é um problema do capitalismo. Se nós quisermos acabar com o fascismo é preciso superar o capitalismo.  

Sempre o capitalismo aperta um botão de pânico, quando não consegue mais administrar o povo sofrendo. Esse botão de pânico é algum modo de extrema-direita de governo pelo qual um bate no outro, pelo qual um flagelo o outro e coisas nesse nível. Então efetivamente que temos hoje, infelizmente, é o não ataque à contradição estrutural: o problema capitalismo.  

A batalha das ideias não está sendo ganha pela classe trabalhadora. Nós estamos aqui reféns de uma explicação de mundo da burguesia, que diz que é preciso manter a segurança, os contratos e os investimentos. E que o custo do Brasil é muito alto. Nós estamos desamparados de ferramentas para enfrentar o fascismo. 

É com movimento de massas. Enquanto a nossa gente não entender o que o capitalismo é um problema, a nossa gente será golpeada pelo fascismo. E pior: a nossa gente será elo de transmissão desse golpe, porque um pedaço da nossa gente bate em outro pedaço da nossa gente. 

Nós superamos o capitalismo e acabamos com essa hipótese de extrema direita ou nós vamos viver novamente um tempo agudo de extrema direita que exigirá de nós uma mobilização como foi aquela para acabar com o Hitler e Mussolini, ou seja, uma guerra de muito sangue.  

Trazendo para o Brasil agora. A gente sabe que o bolsonarismo está muito arraigado na sociedade. A gente está vendo que a extrema direita conseguiu se reagrupar novamente e já começa a fazer planos para 2026. Como a extrema direita se organiza no Brasil e como ela conseguiu se agrupar politicamente não só socialmente, mas politicamente? 

O capitalismo quer essa estrutura social. Isto foi a solução brasileira desde a década de 1990: privatizar e destruir a economia nacional. A burguesia do Brasil percebe que não dá mais para alcançar o povo lendo Foucault e privatizando. É preciso agora alcançar um povo com ferramentas de maior laço com a estrutura cultural e mesmo emotiva e religiosa do povo.  

O que nós temos hoje é presidente da República que comia pão e coisas mais, com farelo no chão, que não usava talher. Isso é também um certo teatro, reforçando uma ideia de rusticidade, porque alcançava uma dimensão popular. A burguesia resolveu apostar nesses personagens e optou pela extrema direita. Ela deixou de lado essa burguesia que come uma comida sofisticada e passou a apostar nesta leitura mais tosca de extrema direita.  

É por causa disso que nós temos um domínio ideológico tamanho que nós temos a imprensa inteira de extrema direita, que não fala contra esses absurdos. A imprensa só anuncia que existem essas posições.  

Ao cabo disso, o povo está dominado pela televisão que fala que direitos humanos são só para humanos direitos. Então, povo é contra qualquer proteção da minoria, e o povo é a dita minoria. O povo vota em posturas políticas contra o seu interesse. Ao cabo, o povo sofre. Só que a aparelhagem ideológica da burguesia está posta. 

Edição: Nathallia Fonseca

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