O caso Pedrinho, um filme sensível que fugiu dos crimes da mídia

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Por Luis Nassif, Jornal GGN – 

Acabei de assistir o filme “Mãe é uma só”, de Anna Muylaert, sobre o caso de Pedrinho – o menino sequestrado por uma senhora em Goiania e devolvido aos pais biológicos aos 15 anos.




Filme sensível, com uma cena final antológica: o irmão biológico silenciosamente indo à cama do irmão que voltou para casa e não aceitava a nova família, e recostando a cabeça em seu ombro e sendo correspondido.

Filme sensível, com extraordinária direção de atores.

Mas faltou explorar o ponto mais inescrupuloso da história: o papel da mídia. Um autêntico “Montanha dos Sete Abutres” foi montado em torno do caso. Da noite para o dia duas crianças foram tiradas da casa da mãe adotiva – que, sim, as tinha roubado, mas que era sua referência de lar e de família.

Rapidamente, graças ao Jornal Nacional, Vilma tornou-se a vilã número 1 do país. A ponto de uma equipe de TV invadir sua casa, ela se esconder debaixo de um sofá, e a câmara inclemente ir atrás, para filmar seu pânico.

Na época, pouco importava a situação das duas crianças. Foram execradas pela turba, por defenderem a mãe adotiva. Residiu nesse linchamento indiscriminado – à mãe que roubou as crianças e às crianças alvo de dois roubos (do berço e da mãe que os criaram, conforme o desabafo de Pedrinho no filme) a parte mais cruel da história que, infelizmente, Anna Muylaert passou ao pargo..

Para sorte do menino, ele foi parar em um lar equilibrado, com pais excepcionais que o defenderam da turba linchadora insuflada pelo Jornal Nacional.

Confira coluna que escrevi na época na Folha

Vingança e justiça

21/05/2003

Anteontem a cobertura da mídia com o caso Vilma atingiu o seu ápice, um show de notícia! Três filhos da empresária foram visitá-la. No presídio, foram verbalmente agredidos pelos prisioneiros. Fora, seu carro foi esmurrado. Como ousaram -mesmo sendo filhos- prestar solidariedade ao inimigo público número 1 do país, sua mãe?

A agressão da malta foi contra os filhos. Será que não cai a ficha de que alguma coisa está profundamente errada nessa cobertura, quando as vítimas maiores do episódio são tratadas como cúmplices do crime de que foram vítimas?
Recebi inúmeros e-mails sobre a coluna de ontem -na qual questiono a cobertura jornalística do episódio e a decretação da prisão preventiva da empresária. Alguns deles de pessoas diretamente envolvidas no episódio, nas investigações legais e na cobertura jornalística. Reclamam da coluna e mostram indícios que comprovariam a culpa da empresária.

Nenhuma palavra sobre o ponto central da matéria: como é que ficam os filhos de Vilma? Como explicar que essa mulher imoral, delinquente, retratada pela cobertura, possa ter criado filhos que enfrentam a fúria popular para defendê-la? Como justificar uma prisão, por algo cometido 15 anos atrás, por uma pessoa que não representa nenhuma ameaça à ordem pública e que destrói o que resta de âncora familiar para seus filhos?

Mais do que técnica jornalística, a busca do enfoque de cada reportagem reflete muito mais valores individuais, como o maior ou o menor respeito por direitos individuais, um sentido mais sofisticado de justiça, que não o mero justiçamento do criminoso.

Se houvesse um pouco mais de discernimento, o enfoque central da cobertura deveria ser a preocupação com o destino e o bem-estar dos quase meninos quase rapazes filhos da Vilma, que perderam o pai e, depois, souberam das acusações contra a mãe.

Não seria necessário muito esforço editorial. Bastariam reportagens contando como Vilma se comportou como mãe nesse período, qual a formação que deu aos filhos, qual sua relação com eles, a ponto de a defenderem com unhas e dentes, enfrentando a turba e uma cobertura massacrante, que devassou sua privacidade. Ela poderia ser condenada, mas haveria atenuantes, buscando principalmente preservar os filhos.

Mas o show da mídia é implacável. Final feliz é piegas, respeito à privacidade, respeito aos direitos dos inocentes são bom-mocismo que não rende dividendos. Por isso o enfoque foi nos pais biológicos, vítimas de um crime inominável, é certo, mas a quem se ofereceu apenas a saída da vingança -porque é isso o que o show requer. De pouco adiantou o gesto de verdadeiro pai demonstrado pelo pai biológico de Pedrinho, de recusar a vingança oferecida em prato quente, para não machucar ainda mais o rapaz. A dignidade do episódio ficou restrita aos familiares, aos filhos que, acossados por repórteres sedentos de sangue, se calaram e responderam com altivez: “Isso é um problema de família!”.

Um dia ainda se vai entender que o exercício da generosidade e da tolerância pode produzir um jornalismo também eficaz e muito mais legitimador da profissão.

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