Quando Lula anunciou o corpo ministerial, alguns nomes foram muito celebrados pelo eleitorado lulista, enquanto outros nomes foram tratados com uma certa resignação, um ar de “ah, infelizmente são nomes ruins, mas são necessários para que Lula tenha governabilidade”. Isso ocorreu em especial com os nomes indicados por MDB, PSD e União Brasil. A análise […]
Por Leonardo Rossato, compartilhado de O Cafezinho
Quando Lula anunciou o corpo ministerial, alguns nomes foram muito celebrados pelo eleitorado lulista, enquanto outros nomes foram tratados com uma certa resignação, um ar de “ah, infelizmente são nomes ruins, mas são necessários para que Lula tenha governabilidade”. Isso ocorreu em especial com os nomes indicados por MDB, PSD e União Brasil.
A análise sobre esses ministros mostra que, ao menos em parte, o eleitorado lulista tinha razão. Em parte porque até o momento, os ministros do MDB não deram nenhum problema para o governo federal. Simone Tebet segue tendo atuação tranquila junto ao Planejamento, enquanto a “família Filho” peemedebista vai muito bem: Jáder Filho segue discreto no Ministério das Cidades, enquanto Renan Filho continua firme nos Transportes, apesar dos ataques de Arthur Lira.
O PSD já trouxe dificuldades ao governo Lula. Alexandre Silveira foi um dos grandes pivôs da crise entre Ministério do Meio Ambiente e Petrobrás, provocada pela recusa do Ibama em aceitar um relatório ruim da empresa solicitando a liberação de áreas próximas à Foz do Rio Amazonas para exploração (e sim, o relatório era ruim, foi feito no governo Bolsonaro com base em análises antigas e incompletas, e o governo Lula deveria estar enfatizando isso ao invés de se degladiar em fogo amigo).
Derrotado nessa questão, ao menos temporariamente, Silveira se juntou a Carlos Fávaro, Ministro da Agricultura (também do PSD) e ambos ajudaram a patrocinar o enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente, levando a reboque áreas do Ministério do Desenvolvimento Agrário também.
André de Paula, na Pesca e Aquicultura, segue sendo muito discreto. Tão discreto que eu poderia apostar que você, leitor, não sabia até o momento que o governo Lula tinha um Ministério de Pesca e Aquicultura, ou ao menos não leu nenhuma notícia sobre qualquer ação do ministério nesses primeiros seis meses de governo.
Com o União Brasil, porém, está o acordo mais problemático. Para começo de conversa, foram indicados três ministros, mas na verdade esses ministros são dois: Waldez Góes, ex-governador do Amapá, é o Ministro do Desenvolvimento Regional indicado por Davi Acolumbre, que representa o União Brasil no Senado.
O problema é que o União Brasil tem nove senadores e ao menos dois deles são sistematicamente de oposição ao governo Lula: Sérgio Moro, que é o Sérgio Moro, e Márcio Bittar, que era apenas o relator das emendas do orçamento secreto do Bolsonaro. Mas essa questão piora quando percebemos que Waldez Góes segue filiado ao PDT com quase seis meses de governo, numa situação nem sui generis.
Mas a questão é que Waldez Góes, mesmo com toda essa situação, é o menor dos problemas do União Brasil no governo Lula. Juscelino Filho, Ministro das Comunicações, também foi indicado por Davi Alcolumbre, e tem sido um dos mais envolvidos com escândalos até o momento no governo Lula. Coisas realmente assustadoras, estilo ter seu sócio num haras como funcionário fantasma no Senado ou permitir que seu sogro Fernando Fialho, que não tem nenhum cargo no Ministério das Comunicações, despache com empresários dentro da sede do Ministério. Ironicamente, esses casos notoriamente difíceis de explicar não causaram nenhum constrangimento ao União Brasil. Ninguém pediu a cabeça do Ministro ou coisa do tipo.
Não é o caso com Daniela Carneiro, porém. A atual Ministra do Turismo (essa coluna foi publicada em 14 de junho de 2023, no dia 15 de junho pode ser que ela não seja mais Ministra) tem tido uma atuação relativamente limpa dentro do Ministério, sem escândalos dignos de nota além do suposto vínculo com milícias, o que é obviamente grave, mas não é exatamente algo surpreendente entre políticos da Baixada Fluminense.
No entanto, seu cargo está por um fio: o União Brasil na Câmara quer trocar Daniela por Celso Sabino, deputado pelo Pará. E existem um monte de motivos para isso. O primeiro deles é o de que, de acordo com Elimar Nascimento, líder do União Brasil, Daniela Carneiro não é representante do União Brasil, mas entrou no Ministério pela “cota pessoal de Lula”.
Mas o embate de verdade se deu a partir do momento em que Daniela Carneiro e Waguinho (seu marido e prefeito do município de Belford Roxo) brigaram com Luciano Bivar e com a direção nacional do União Brasil. Foi uma briga tão ruidosa que, dos sete deputados federais do União Brasil no Rio de Janeiro, seis pediram desfiliação em abril, após o vice-presidente nacional no partido, Antonio Rueda, remover Waguinho da liderança do diretório estadual do Rio de Janeiro. A partir daí, Bivar começou a exigir do governo Lula a remoção de Daniela Carneiro do Ministério, dizendo que “O Ministério do Turismo é do União Brasil”.
Sim, são discursos conflitantes entre Luciano Bivar e Elimar Nascimento. Mas ninguém se importa muito com coerência quando o assunto é pedir cargos para o governo. E a coisa piora: o União Brasil diz que não tem como garantir que vai ser base do governo Lula nem mesmo com a demissão de Daniela Carneiro. Além de Celso Sabino como Ministro do Turismo, o União Brasil quer o controle da Embratur – hoje comandada por Marcelo Freixo, atualmente filiado ao PT – e a liberação de emendas pelo Presidente Lula. Inclusive aquelas que originalmente faziam parte do orçamento secreto e hoje estão na mão dos Ministérios do governo.
A realidade é que hoje o União Brasil fala pelo centrão e externaliza o discurso que é o de Arthur Lira, mas que Arthur Lira não pode falar em público porque vai parecer que o Legislativo está chantageando o Executivo. E, quando o assunto é o centrão, a lista de desejos não acaba aí: eles também querem “um Ministério com mais recursos que o do Turismo”. E esse ministério é o Ministério da Saúde. Hoje, a saúde é comandada por Nísia Trindade, e é uma das bandeiras do governo Lula, depois de um governo Bolsonaro catastrófico na área, destruindo políticas importantes do SUS e agindo de forma negacionista e anticientífica na pandemia.
A realidade é que, por mais absurdo que pareça, o Congresso, e em especial a Câmara dos Deputados, ainda é muito mais reflexo do governo Bolsonaro do que do governo Lula. Esse grupo de deputados foi forjado na dinâmica do bolsonarismo, que destruía as políticas públicas enquanto cooptava o legislativo com os recursos do orçamento secreto. Lira insiste nesse modelo, ainda que o STF já tenha declarado inconstitucional, por ser o único modelo de atuação em que um político como Lira, que veio do baixo clero e ganhou proeminência na Câmara através troca de vantagens, consegue se destacar.
É por isso que a Câmara tentou fortalecer os ministérios na mão do centrão: são ministérios pros quais emendas podem ser direcionadas. Também é por isso que a questão das emendas e das entidades agregadas aos ministérios estão na pauta de reivindicações. E é por isso que o centrão insiste na ideia de se apropriar do Ministério da Saúde, que sob todo e qualquer ângulo parece esdrúxula: é para o Ministério da Saúde que vão 50% das emendas parlamentares. É tudo tentativa de replicar o modelo que foi tão favorável para os parlamentares clientelistas que estão cumprindo mandato atualmente.
A questão é que esse modelo não vai acontecer nos moldes que a Câmara quer. O Senado já entendeu isso e está adotando uma postura mais colaborativa com o governo, mas a Câmara insiste em não entender. E não vai acontecer por um motivo simples: como o governo Bolsonaro era um governo que tinha como pauta principal a destruição das instituições, terminou sendo o governo de menor investimento público da história recente do país.
Nesse cenário, não havia nenhum constrangimento entre os bolsonaristas em comprometer todo o orçamento público não vinculado através de instrumentos de cooptação do legislativo. Cooptar apoios para patrocinar seu projeto autoritário era mais importante para Bolsonaro do que ter capacidade de investir em qualquer coisa. Com isso, Câmara e Senado viveram no paraíso das emendas e os deputados alcançaram índices de reeleição próximos à média histórica, mesmo em um governo mal avaliado e responsável por quatro anos de uma gestão catastrófica.
Lula não trabalha assim. Lula trabalha com a entrega de produtos, com a confecção de programas, com a construção de políticas públicas. Lula precisa de recursos para construir suas marcas de gestão e para reestruturar as instituições que o bolsonarismo corroeu. Em alguns pontos Lula vai acabar cedendo, porque o centrão controla grande parte do Congresso, e não há muito que se possa fazer em relação a isso. Mas a Câmara precisa entender que a festa da emenda acabou e que agora os deputados estão diante de um governo de verdade, e não de um arremedo de youtubers que achavam que sabiam de política.