Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, para o Bem Blogado –
Nem o mais pessimista esperava o vendaval medieval tão cedo, logo nos primeiros dias da administração de João Dória Jr. na capital de São Paulo. Óbvio que ele veio para fazer isso, mas a velocidade impressiona. Sampa, na semana de seu aniversário, é o laboratório perfeito para o que daqui a pouco será radicalizado no plano federal.
Em poucos dias, tal como menino rico e mimado com seu novo brinquedo, Joãozinho brincou de gari, guarda, médico, posou de cadeirante, fez o diabo para se tornar a versão limpinha de Jânio Quadros. Só falta a pinguinha no boteco. Mas aí talvez seja demais para o mauricinho.
A falta de recato chegou ao ponto de sua empresa, Lide, anunciar a venda para empresários, por nada módicos R$ 50 mil, de lugares à mesa com o prefeito em evento claramente comercial. Fornecedores e eventuais interessados nas anunciadas privatizações de bens públicos pingariam o cinquentão para a família Dória. Conflito de interesses? Nem de longe essa coisa que pode lembrar pudor passou pela equipe do tucano. Mas aí já foi demais, algum ponderou, e suspenderam o convescote. Talvez em outra oportunidade….
A política anunciada do fim do Programa Braços Abertos, para as vítimas do flagelo do crack, já provocou conflitos e saques que não aconteciam havia muito tempo na região da Cracolândia. O pior, ali, ainda está para acontecer e será rápido. Higienização é a meta. Será a repetição, em escala municipal, do que testemunhamos hoje nos presídios brasileiros. No lugar de oportunidades mínimas e chances de resgatar a cidadania, cadeia. O resultado é a barbárie de degolas. A bomba da Cracolândia está esperando apenas Joãozinho apertar o controle remoto de seu brinquedo com humanos.
Quem passou pela 23 de maio na manhã de segunda-feira, se tem um mínimo de percepção e sensibilidade, lamentou. Na São Paulo chuvosa, o cinza triste apagou murais que suavizavam a dureza do concreto. Obras belas de artistas de rua, construídas com criatividade e amor, foram apagadas por obra e gosto do prefeito cinza e seu miquinho amestrado, o secretário municipal de Cultura (?).
Antes mesmo de assumir, a dupla já dera a dica com a transferência da Virada Cultural do centro velho para o confinamento do autódromo de Interlagos. O centro, afinal, na visão higienista, abrigaria mais gente “violenta” da periferia, segundo um sincero assessor de Dória. Logo, mais fácil vigiar a tigrada em espaço fechado. E, além disso, a rua, o espaço público, não é para a gente, mas para os carros. E dá-lhe aumento de velocidade em vias que, desde a redução civilizatória, apontaram diminuição impressionante de vítimas do trânsito e de motoristas irresponsáveis. Mas o que é uma vida humana no cotejo com uma multa, né?
O triste de tudo isso é que quem vai pagar a conta maior desse festival fascista será o eleitorado pobre que votou no PSDB em SP, iludido no discurso de negação da Política, do “gestor”. Quando os cortes chegarem de fato às políticas sociais municipais, as pirotecnias não serão suficientes para estancar a sensação de logro, mas o fato já estará consumado: as urnas deram o mandato para Dória. Resta, aos setores atingidos, tentar a reação organizada, embora os tempos estejam bicudos.
Dória faz em SP o que Temer, com seu Ministério de gente enrolada sempre com a Justiça, fará com mais rigor a partir de 2018. Lembremo-nos sempre que os efeitos da PEC de 20 anos começarão a serem sentidos apenas a partir do ano que vem. Até lá, a pancada maior será pelo agravamento do desemprego já desesperador e pela mãe de todas as batalhas, a que retira direitos previdenciários e tenta, num mergulho medieval, ao fim e ao cabo, obrigar o brasileiro trabalhar até o dia e sua morte.
Em escala municipal ou mais abrangente, o Brasil vive um tsunami de direita mais troglodita. Como resistir? Existem diferentes respostas, como ocorre agora na discussão sobre o voto das bancadas de esquerda nas eleições das Mesas de Câmara e Senado, mas nenhuma tem o selo de garantia de sucesso. A única bandeira unificadora é resistir, no Parlamento e nas ruas, para barrar o atraso. Dória e Temer não estão a passeio. Infelizmente para quem precisa de Estado para sobreviver e sonhar, pela ordem.