O complexo de vira-latas toma leite condensado

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Por Washington Luiz de Araújo, jornalista, bem Blogado

O complexo de vira-latas, que Nelson Rodrigues carimbou no brasileiro que não confiava em si próprio e na vitória da Seleção Brasileira na Copa de 58, nunca saiu de moda. Há complexo de vira-latas para todos os gostos e sabores. No jornalismo, então… O site Metróples divulgou a compra de supermercado do governo Bolsonaro em 2020, tirado do Portal da Transparência. Além de produtos totalmente supérfluos como chiclete, chocolate, batata frita, iogurte, constatou-se que a lata de leite condensado saiu por 162 reais. Não é que tem gente que colocou dúvida sobre a veracidade da notícia em razão dos jornalões e o Jornal Nacional não tê-la repercutido antes de qualquer tipo de investigação?  Vou aqui tergiversar e contar uma história que se passou comigo no Diário do Grande ABC, jornal de São Paulo no qual trabalhei na década de 80.




Repórter de Variedades, fui designado em 1985 para cobrir a abertura da Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Alvoroço total, pois era a primeira Bienal depois da ditadura e os jornalões engrossavam o coro de Sarney, presente ao evento, sobre a chamada “Nova República”.

Depois da solenidade fiquei por ali, entrevistando as personalidades, pois não precisava fechar o texto para o dia seguinte. Os colegas da chamada grande imprensa caíram fora, pois já era noite e tinham que fechar a edição.

Estava entrevistando o maestro Julio Medaglia, que regeu uma orquestra naquela noite,  e perguntei: Estão dizendo que o autoritarismo acabou, o senhor concorda? Antes que o maestro me respondesse ouvimos um barulho. Jovens manifestavam-se contra Sarney, jogando bolinhas de gude pelo chão do Pavilhão da Bienal no Ibirapuera. A polícia foi com tudo para cima e dá-lhe bordoada, cacetada nos manifestantes, jornalistas, fotógrafos, convidados. Todo mundo apanhou. O fotógrafo que me acompanhava foi agredido e sua câmera espatifou-se no chão.  Conta a parede, o maestro virou para mim e disse: “Não acabou”.

Pois bem, corri à redação, convenci a editoria de que deveria publicar a matéria para o dia seguinte, na base do “parem as máquinas”. Fiz o texto, que no outro dia se transformou em manchete de primeira página. A minha única, pois jornalista de Variedades não tem este privilégio facilmente.

Mas, do céu caí  de boca na terra quando, no mesmo dia à tarde, a diretoria, depois de reunião com os editores, resolveu me punir. Motivo: os jornalões não deram a notícia, logo, na cabeça deles, ela não existiu.

Me apresentaram uma carta de advertência. Não assinei. Hoje, penso que deveria ter assinado para contextualizar o absurdo. Em suma, só fui “perdoado” à noite, quando Jornal da TV Cultura veiculou o fato.

Então, gente, não é porquê o Site Metrópoles é pequeno e os “jornalões” teimam em não repercutir o fato do leite condensado,  ele não existiu.

Cadê o jornalismo investigativo dos tempos de Lula e Dilma que cobravam cabeças por qualquer insinuação de deslize?

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