Lançada em 2023 pela editora Alameda, a obra será editada em árabe pela Takween Publishing, sediada no Kuwait
Compartilhado de Ópera Mundi
O livro O congresso dos desaparecidos, do escritor B. Kucinski, será publicado em árabe. Os direitos de publicação da obra, lançada em 2023 pela Alameda, foram adquiridos pela editora Takween Publishing House, sediada no Kuwait e também Iraque.
O grupo Takween teve início em 2013 como uma conta no Instagram sobre literatura. A editora foi criada em 2017, e já publicou mais de 190 títulos, de diversos segmentos literários e culturais, sendo 50 deles somente no ano passado. Traduziu autores de diversos idiomas, como Houshang Golshiri (traduzido do Persa), Noan Chomsky (do inglês), Michel Foucault (do francês), entre outros.
De acordo com o gerente-geral Mohammed Alattabi, o grupo tem por objetivo utilizar o poder do questionamento, palavras e ideias para reforçar valores como liberdade, diversidade, tolerância e direitos fundamentais.
O Congresso dos Desaparecidos, de B. Kucinski/ Reprodução: Editora Alameda
A Takween é também responsável pela edição de obras finalistas do International Prize for Arabic Fiction – principal prêmio literário do mundo árabe -, como Eduardo´s Concerto (indicada em 2023), de Najwa Bin Shatwan, The Abyssinian Rimbaud, de Haji Jabir, Delshad, de Boshra Khalfan (ambas em 2022). Também publicou a escritora palestina Adeniya Shibli, que receberia um prêmio na última Feira de Frankfurt, mas que acabou tendo o evento cancelado após os ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, e o israelense Ilan Pappé (Limpeza étnica na Palestina).
Essa não é a primeira obra de ficção do autor a ter carreira internacional. Pretérito Imperfeito, foi traduzido para o inglês, enquanto K-relato de uma busca foi traduzido para diversos idiomas, entre eles o francês, o inglês, o iídiche e o alemão. Sobre o interesse da Takween na publicação de sua obra, Kucinski é modesto. “A reflexão que me ocorre é a dimensão infelizmente mundial dos desaparecidos; assim se explica o interesse de uma editora do mundo árabe pelo livro”, afirma ele.
A obra literária de Bernardo Kucinski tem recebido bastante atenção da crítica literária brasileira e internacional. Segundo a base de dados Google Scholar, são mais de 200 os textos acadêmicos – entre teses, dissertações, livros e artigos – que citam K-relato de uma busca. A distopia A Nova Ordem, publicada pela Alameda em 2018, já recebeu 22 citações. Por Júlia – nos campos conflagrados do Senhor, Kucinski foi premiado pela Fundação Biblioteca Nacional na categoria romance juvenil e selecionado, pelo MEC, para o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) Literários. O livro de contos A cicatriz e outras histórias foi finalista do Prêmio Jabuti.
Com O congresso dos desaparecidos, Kucinski retoma o que a crítica Graziele Meire Frederico, professora da Università degli studi di Milano, chamou de “alzheimer brasileiro” em relação à ditadura militar. Num ponto qualquer da praça da República, no centro de São Paulo, os “fantasmas” de dois desaparecidos políticos brasileiros se encontram e decidem convocar um congresso para reunir os desaparecidos políticos pela ditadura militar.
Divulgação/Bernardo Kucinski
O congresso dos desaparecidos, de B. Kucinski, será traduzido para o árabe
O encontro é realizado, meses depois, num lugar simbólico da resistência à ditadura: a Catedral da Sé, no centro de São Paulo. Desaparecidos, ou melhor, seus fantasmas, de todo o país se dirigem à catedral e passam a discutir um programa para que o horror do desaparecimento forçado deixe de ser uma prática de Estado. A partir da construção deste programa político, os desaparecidos decidem marchar até Brasília, numa marcha política. No caminho, eles encontram figuras emblemáticas, também desaparecidas ou que foram impedidas de ter um enterro digno, como o indígena Sepé Tiaraju, herói dos povos das missões no período colonial, o líder negro Zumbi dos Palmares e Tiradentes, um dos líderes da inconfidência mineira, que foi esquartejado.
“Embora sempre tenham existido desaparecidos políticos, a expressão só passou a definir um ente no imaginário social depois que esse sinistro método de extermínio de dissidentes políticos foi adotado no Sul das Américas, entre os anos sessenta e setenta do século passado. Por meio de aparatos complexos e clandestinos, Estados delinquentes logravam a tripla invisibilidade, de seus crimes, de suas vítimas e da extensão da política de extermínio”, escreve B. Kucinski num posfácio a O congresso dos desaparecidos.
É interessante notar que o romance, classificado, também, na edição como um “drama em prosa”, guarda algumas características teatrais que dão relevo a cenários (como a catedral da Sé) e personagens, algumas nomeadas pelos codinomes da clandestinidade, outras, mais conhecidas do público, pelo nome civil das personagens, como é o caso do deputado federal Rubens Paiva.
O filho de Rubens Paiva, o escritor Marcelo Rubens Paiva, em resenha à Revista 451, afirmou: “O drama em prosa de Bernardo Kucinski ressuscita aqueles e aquelas que não tiveram a oportunidade de desabafar nos minutos finais, fazer um balanço completo, ou até um mea-culpa. Morreram solitários, desenganados, trucidados por animais raivosos.” Na sua opinião, este é o papel do escritor: “O papel do escritor é resgatar, resgatar e resgatar. Desenterrar, realizar autópsias com dados coletados em pesquisa minuciosa, seja através de depoimentos e arquivos secretos, seja pelo senso comum ou, por vezes, fazendo ligações com as informações jogadas em fragmentos, como um quebra-cabeça”, completa.
O crítico Márcio Selligman-Silva, professor da Unicamp que escreveu a orelha da obra, afirma que na obra de Kucinski, “com ironia, personagens históricos e criados se misturam para permitir imaginarmos – criar uma imagem – da ditadura”. Trazendo a reflexão para o presente, ele diz ainda: “Como o período neoditatorial de 2016- 2022 deixou claro com sua glamorização da ditadura, a memória desse período e a memória da barbárie institucional no Brasil devem constituir espinhas dorsais da resistência contra os fascismos que sempre galopam no dorso pútrido do negacionismo”.