Por Jenny Moix Queraltó, em El País –
Perdoar não é fácil, mas fantasiar a vingança só prolonga o rancor. É preciso virar a página, não se fazer tantas perguntas e pensar no futuro
Algum tempo atrás, proferi uma conferência numa prisão masculina. Falei de emoções tão corriqueiras quanto a vergonha, a tristeza, a raiva, o medo e o ressentimento. Na hora do debate, um dos internos contou que, ao ingressar no centro penitenciário, se sentia muito magoado por algo que a namorada e seu melhor amigo lhe haviam feito. Não entrou em detalhes. Simplesmente relatou que a cada dia, ao acordar, se via encarcerado não só pelas barreiras físicas da prisão, mas também por uma autêntica jaula de rancor. O detalhe mais agudo é que confessou ter passado vários anos assim. Um dia, percebeu que o ressentimento era absurdamente inútil. O que conseguiria fantasiando continuamente a sua vingança? Semanas depois, a bibliotecária que me convidou para proferir aquela conferência me contou que, como resultado dessa confissão, outros detentos ressentidos se aproximaram dele porque também queriam se desfazer desse cupim que sentiam roer o seu peito. Após escutar o testemunho de seu colega, compreenderam que era possível deixar o rancor de lado.
Desde a infância, a sociedade inculca a importância de aprender a perdoar. De fato, a atmosfera judaico-cristã está impregnada por essa mensagem. Mas a psicologia deu outro significado ao perdão. O que se depreende dos estudos realizados nesse campo é que não se deve perdoar com fins altruístas, mas por puro egoísmo. Ou seja, é preciso esquecer para alimentar nossa própria felicidade. Para entender o sentido desse verbo, o melhor é esclarecer o que ele não significa.
Não significa que precisarei esquecer. Não existe nenhuma cirurgia que extraia do cérebro lembranças dolorosas que afetam, por exemplo, as vítimas de maus-tratos e as pessoas que foram alvo de um golpe ou qualqueroutro tipo de abuso os humilhação. É muito complicado conviver com essa dor sobre as costas, mas afinal se pode superá-la. O milagre do perdão é que sua capacidade corrosiva vai se diluindo. Não só o motivo passa a doer menos, como também a aparecer menos na consciência. As lembranças permanecem ali, mas, quando se consegue deixá-las para trás, é possível que não aflorem tão frequentemente. Acabarão por aparecer apenas quando invocadas, mas nunca por conta própria. É compreensível que, quando o rancor está em plena ebulição, o ressentido não acredite nesta teoria, mas é preciso confiar.
Não significa que precisamos entender o outro. É mais fácil superar o ressentimento quando são conhecidos os motivos que levaram a outra pessoa a fazer o mal, mas nem sempre existe uma explicação lógica. E, entretanto, é muito tentador cair no erro de procurar argumentos racionais que fundamentem o dano sofrido. Mas, quando se segue este caminho, acaba-se dando voltas e mais voltas em todos os detalhes, mas nada se concretiza. Ou seja, a pessoa entra num labirinto difícil de sair.
Fred Luskin, diretor do departamento de estudos relacionados com o perdão da Universidade de Stanford (Estados Unidos), aconselha que, para que esse labirinto do rancor desabe sozinho, convém esquecer as expectativas sobre como os outros devem agir. Tal confusão chega a incomodar ainda mais quando a pessoa se faz perguntas do tipo “por que comigo?”. O conveniente é tentar não dar uma resposta a esta questão, porque ela só gera mais frustração.
Não é preciso se reconciliar forçosamente com o pecador. O perdão tem mais finalidades do que nos ensinaram. Não se trata obrigatoriamente de dar a outra face, e talvez você não esteja disposto a se arriscar ainda mais. O que conta é se sentir bem consigo mesmo, e talvez seja mesmo impossível voltar a confiar nessa pessoa. Por esse motivo, pode-se chegar a perdoar a alguém e depois decidir se convém ou não afastar esse pecador da nossa vida.
Então, o que significa perdoar? Trata-se simplesmente de virar a página e se esquecer da vingança. Um estudo dirigido por Christine Remar e Diana Hulse-Killacky, das universidades norte-americanas do Sul do Alabama e de Nova Orleans, que foi publicado em 2011 pela revista Journal of Counseling & Development, mostra como o perdão foi crucial para que uma dezena de mulheres superassem os abusos sexuais sofridos na infância. Todas relataram que perdoar o agressor significou um grande passo no sentido de deixar para trás esse capítulo das suas vidas. Saber esquecer é, portanto, colocar a felicidade nas nossas mãos e não nas mãos do outro. Segundo algumas pesquisas, perdoar garante mais anos de vida, menos depressão e risco de enfarte, uma pressão arterial mais baixa e inclusive um sistema imunológico fortalecido. Definitivamente, o ato de desculpar vem acompanhado de bem-estar e saúde.
Por mais custoso que muitas vezes seja, só é possível perdoar quando se cresce interiormente. Everett Worthington é, além de engenheiro nuclear, catedrático de Psicologia da Universidade da Virgínia (Estados Unidos) e especialista no assunto perdão. Worthington confessou numa entrevista que certa vez ele também já se sentiu incapaz de esquecer. Um ladrão entrou na casa da sua mãe e a golpeou brutalmente até matá-la. Seu primeiro pensamento foi acabar com o agressor usando um taco de beisebol. Naquela época, Worthington acabara de publicar um de seus livros sobre a capacidade de perdoar. Parecia que a vida estava lhe pregando uma peça para provar se ele saberia realmente aplicar a si próprio o que ensinava. Acabou passando pelo teste. Colocou-se no lugar do ladrão e imaginou o pânico que teria sentido ao entrar numa casa que acreditava estar vazia e se deparar com uma senhora. Então se deu conta de que ele mesmo não era melhor que o ladrão, porque na verdade o assaltante reagiu ao pânico, ao passo que ele próprio estava premeditando um assassinato.
O tempo ajuda? Não é fácil controlar as emoções, e sentir-se humilhado é bastante normal. Mas, uma vez superado este primeiro sentimento, é preciso que a vontade se imponha. A partir daí, o tempo pode jogar a favor ou contra. Se o ressentimento se incrusta, irá se tornar crônico; se houver forma de deixá-lo passar, será mais fácil seguir em frente. Embora isso possa parecer de uma obviedade ululante, é preciso querer virar a página. Às vezes, uma parte de nós está desfrutando desse sofrimento. Ele nos faz sentir vivos, preferimos experimentá-lo em vez de viver na planície que, intuímos, virá depois. É preciso se propor a deixar para trás o que nos danifica, como faz a personagem de Scarlett O’Hara no filme …E o Vento Levou, quando diz: “Com Deus por testemunha, eu nunca mais passarei fome!”.
Para liberar o ressentimento, os especialistas também sugerem pensar no futuro. Entretanto, quando se está dentro do quarto escuro da amargura e se olha para fora, a luz pode cegar tanto que se torna impossível ver qualquer coisa. Nesse estado é fácil se questionar que sentido tem pensar em novos propósitos. Mas a vida continua, e é preciso voltar a se acostumar à claridade do dia. Pouco a pouco irão aparecendo novas silhuetas que nos devolvam o entusiasmo e barrem outros sentimentos mais dolorosos. A porta desse quarto se abrirá sozinha depois de um ato sincero de introspecção. Então sairemos nos sentindo diferentes, teremos amadurecido, e o que encontraremos fora será muito melhor do que recordamos
FILMES
Uma Longa Viagem – Jonathan Teplitzky
Os Imperdoáveis – Clint Eastwood
Mentiras Sinceras – Julian Fellowes
Ventos do Holocausto – Robert Enrico
Dr. Mumford – Inocência ou Culpa? –Lawrence Kasdan
LIVROS
Saber perdoar – David W. Schell
A Little Book of Forgiveness – Patrick Miller
How to Forgive When You Don’t Know How – Jacqui Bishop e Mary Grunte