O debate sobre a regulamentação da mídia

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Publicado em Carta Maior – 

Em entrevista, Venício Lima falou de como a mídia aprisiona o debate dentro de uma narrativa falsa que fala de censura, e não de regulamentação econômica.

Por Dario Pignotti




Rogério Tomaz Jr. / Flickr

A possibilidade de ter a participação de Lula na batalha pela democratização da mídia será um aporte “extraordinário” para o campo progressista e uma dor de cabeça para os defensores do status quo.
E a Nominação de Ricardo Berzoini no Ministério das Comunicações é um fato importante porque ele tem demostrado estar “sensibilizado” com a necessidade de mudanças, um objetivo onde tem como aliados os ministros Miguel Rossetto, Jaques Wagner e Pepe Vargas.
Estas são algumas das reflexões formuladas pelo professor Venício Lima, um dos acadêmicos que tem estudado com maior rigor e durante anos as interfaces entre poder e mídia no Brasil, onde impera um dos sistemas de propriedade mais concentrados do mundo. Durante entrevista com Carta Maior ele repassou a história das maniobras das oligarquias jornalisticas na defesa de seus privilégios.
Uma historia cuja origem é anterior ao golpe de 1964 e continua ate hoje com campanhas da mídia e da oposição tucana, destinadas a intoxicar o debate público.
– Qual importância da eventual participação de Lula na batalha por mudanças na mídia?
Acho que a participação de Lula será muito importante, será extraordinária. Agora temos que aguardar, mas é fato que o presidente Lula teve uma postura clara sobre esta questão. Ele está realmente comprometido com mudanças na mídia.
Lula terá peso num debate que será muito intenso, um debate que com certeza será manipulado pela grande mídia…
É necessario que o debate chegue à sociedade, porque você só conseguirá mudanças se conseguir mobilização, porque existe uma relação de forças muito desigual no Parlamento, onde há uma maioria conservadora inimiga da regulação da midia.
Temos de lembrar que essa discussão sobre democratização da mídia está sendo feita no Brasil há muitos anos, temos de recordar a Conferência Nacional da Comunicacão em dezembro de 2009 e, no final do segundo governo Lula, em 2010, o ministro Franklin Martins (SECOM) realizou um seminário internacional, que trouxe representantes das agências reguladoras dos EUA, da Inglaterra, da Argentina, da França, etc. Esse material está todo disponível, foi um seminário boicotado pela mídia.
– Junto com o possível debate, aumentaram os ataques da mídia oligárquica contra Lula.
Sim, estão atacando duramente o Lula, na verdade os grandes grupos nunca deixaram de atacá-lo. Agora, nesses dias, até falaram que tem câncer de pâncreas (portal UOL), sinceramente é a primeira vez que ouvi falar que alguém tem cáncer de pâncreas e não morre logo, porque o câncer de pâncreas mata em semanas. Claro que isso é mentira.
– O jornal Valor vinculou Lula ao financiamento do carnaval e do jogo do Bicho.
A gente acha que Valor tem um pouco mais de responsabilidade jornalística que O Globo, Estado, Folha porque é um jornal dirigido para empresários. Mas isso que você está me falando de Lula e os bicheiros atá causa graça. A destrução de Lula é permanente em toda a grande mídia. É algo inacreditável.
Mas é verdade que o poder da mídia para determinação do voto já não é a mesma de 25 anos atrás, se você compara uma eleição de hoje com a eleição de Collor (1989) é uma eleição completamente distinta. Eu falo isso porque estudei profundamente aquela eleição que foi a primeira depois da ditadura. O pais mudou, hoje a circunstâncias são completamente distintas, o nível educacional aumentou muito, você tem uma inclusão social e econômica que não tinha naquela época e você tem internet, que não é determinante, mas que é capaz de se contrapor à grande mídia como já foi comprovado desde as eleições de 2006. Então a grande mídia não tem o poder que já teve, mas ainda tem um poder desmesurado…

DILMA E BERZOINI

– Acha que a presidenta já arquivou a ideia de uma trégua com a grande mídia?
Um dos problemas que tivemos foi a ilusão dos governos, inclusive os governos de Lula e Dilma, de que é possível negociar com esses grupos. Em algum momento parece que Lula se deu conta de que isso não é possível, ali é possível explicar porque foi criada a Empresa Brasileira de Comunicação (segundo mandato). Acontece que a criação da EBC não foi seguida da construção de um sistema de mídia pública, que aliás é uma das coisas que não está regulamentada do artigo 223 na Constitução, o espírito desse artigo é o da complementaridade entre modelos público, privado e estatal.
Por outro lado o Poder Executivo não apoia na medida necessária a construção de um sistema público que sirva de alternativa de qualidade ao sistema privado dominante.
– A presidenta Dilma tem falado em regulação e designou Berzoini, um dirigente petista que defendeu a democratização. Como vê esses sinais?
Veja só, até onde eu sei o ministro Berzoini é um homem cuja caraterística é a capacidade de articulação no Parlamento, ele foi ministro das Relações Institucionais. Eu não tenho informações de bastidores, porém o que circulou na mídia é que o ministro das Comunicações ia ser Jaques Wagner, mas evidentemente houve algum impedimento… não sei. Ou talvez Berzoini não quis continuar em Relações Institucionais.
Berzoini não é da área (da mídia) mas acho que o fato de sua ida ao ministério é relevante porque ele tem um acúmulo de declarações e de posições políticas sobre a necessidade de democratização do setor, e isso é muito importante.
Aliás, no gabinete da presidenta Dilma, também está Jaques Wagner (Defesa), ele foi o único governador que incentivou um conselho estadual de comunicações num estado como a Bahia que emergia do carlismo, então ele também tem familiaridade com á área.
O secretário geral, ministro Miguel Rossetto, deve desempenhar um papel importante na questão da mídia, ele que será o responsável pelo diálogo com os movimentos sociais e será um dos ministros que estará naquele núcleo duro da Dilma.
Rossetto tem total sensibilidade nessa questão, e o ministro Pepe Vargas (Relações Institucionais) certamente também tem sensibilidade. Isso significa que a presidenta estará cercada de ministros como Vargas, Wagner, Rossetto e Berzoini, que sabem da importância do tema das comunicações.
– Falou-se que Berzoini quer criar uma agência de mídia similar à de Portugal.
Com relação à criação da agência, depois da posse Berzoini desmentiu que estava tomando a agência portuguesa como referência. De qualquer maneira, ela não é de regulação econômica da mídia. Ela tem alguma semelhança com o modelo inglês que recebe reclamações sobre eventuais desvios da mídia em geral, uma comissão que já foi dissolvida depois do informe da comissão Levenson (2012, por causa do escândalo do jornal britânico News of the World).
Por enquanto o ministro falou que não temos nenhuma referência inicial, que está aberto a ouvir a todos, tive a impressão de que ele estava zerando a discussão, o que também é interessante.
– Tem expectativa que Berzoini possa avançar mais que o ex-ministro Paulo Bernardo?
O ex ministro Bernardo não deu continuidade às iniciativas do final do governo Lula, como a Conferência Nacional de Comunicações de dezembro de 2009, e outras iniciativas.
Mas eu sou testemunha de uma afirmação de Paulo Bernado em que ele disse que ele era um ministro que tinha chefe, e ele seguia orientação da presidenta Dilma. Então a verdade é que não foi uma questão só de Paulo Bernardo.
Então não se deu continuidade ao que foi feito no final do governo Lula pelo ministro Franklin Martins por decisão do governo. Por isso eu tenho afirmado que gostaria de ver agora uma posição mais clara, menos reticente, da própria presidenta com relação a essa questão da regulação da mídia.
– Qual a melhor tática nessa batalha. É bom enviar projeto lei de regulação ao Parlamento de maioria conservadora?
– Eu sou absolutamente suspeito para responder isso porque tenho há muitos anos insistido que há um erro de estrategia política. Até escrevi um livro sobre isso.
No meu ponto de vista você tem que levar a discussão sobre regulação ao nível local, regional, estadual, mostrar às pessoas que isso tem a ver com elas.
Eu tenho dito que uma estratégia mais correta seria criar os conselhos estaduais de comunicação que estão previstos em 10 constituições estaduais e na lei orgânica de Brasília. Aliás, o artigo 224 da Constitução nacional cria o conselho de comunicação nacional, porém até hoje só foi criado o Conselho da Bahia, o de Alagaos foi criado de cima para baixo para favorecer o governo local.
A tal regulação econômica está na Constitucão, então o que é necessário é regulamentar e cumprir a Constitução, o que já está lá há 20 anos, e desse modo você obriga a quem for contra a regulação que tenha de contestar a Constitução. O que aliás já foi feito pelo Paulo Bernardo, que falou que não fazia mais sentido discutir a questão da propriedade cruzada.
HISTÓRIA DA SABOTAGEM
– O modelo brasileiro é quase único no mundo, e ele não tem nenhuma forma de regulação. Onde está a explicação dessa originalidade?
É verdade, em algumas questões nunca tivemos nenhuma regulação, é um caso possivelmente único… nas principais democracias do mundo a propriedade cruzada está regulamentada desde sempre para atacar a formação de monopólios e oligopólios.
Eu diria que é um tema de pesquisa estudar como é que nós chegamos onde estamos, as opções fundamentais que determinam a configuração do sistema brasileiro de mídia começaram a ser tomadas na época de Getúlio Vargas, com dois decretos da década do 30, e foram se consolidando ao longo do tempo.
Eu me dei conta quando tive de redatar um texto para um seminário dos 50 anos do golpe, o tema era “Herança da Ditadura na área da Mídia” e quando fui ver, a verdade é que você não pode atribuir a configuração estrutural do sistema à ditadura, ele é anterior à ditadura, ela foi piorada no período da ditadura.
TUCANOS E GRAMSCI
A história da sabotagem à regulação continua até hoje quando o PSDB lança ataques preventivos contra Berzoini e qualquer intento de debater uma lei.
Se você pegar as declarações dos dirigentes do PSDB e do deputado Eduardo Cunha (líder do PMDB) se perguntaria contra o que elas estão reagindo.
Eles falam da regulação como uma suposta forma de censura, e eu perguntaria: quem está defendendo a censura? Ninguém está falando que não vai ter liberdade de imprensa.
Na verdade a regulação da mídia fala em regulação daquilo que já está na Constitução, a menos que essa pessoas se declarem, por exemplo, contra o artigo 221, da regionalização da produção, que incentiva a produção independente que fala da produção regional cultural, artística, jornalística.
É impressionante ler as coisas publicadas pelo colunista Josias (de Souza). Ele é especialista em falar contra regulação…. e tem outros jornalistas que perguntam aos parlamentares “o senhor está a favor da censura?”, essa é uma forma de controlar a linguagem, de controlar a narrativa, isso é seríssimo, e a grande mídia tem o poder de fazer isso.
– A hegemonia da qual já falava Antonio Gramsci?
Exatamente, exatamente… é estudando a utilização da linguagem na unificação italiana que Gramsci inicia os estudos da hegemonia. Ele se deu conta da importância que teve para unificação italiana (século XIX) a unificação da linguagem.
Aqui no Brasil você aprisiona o debate da regulamentação dentro de uma narrativa falsa e isso é o grande problema que temos na luta pela democratização da mídia, porque o debate foi aprisionado numa gramática que não é a real. E alguns colunistas que defendem interesses contrários à mudança do status quo são muito eficientes na consolidação de um vocabulário, que foi o que já aconteceu com a narrativa do mensalão, sobretudo durante o julgamento da ação penal 470.
(*)Dario Pignotti é reporter e doutor em comunicação pela USP

 

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