A represália do Irã foi calculada e calibrada com cuidado para evitar uma escalada da guerra – algo que Teerã não quer. Seu objetivo não era infligir danos graves, mas ultrapassar um limiar e deixar um recado. Isso foi alcançado
Por Jean-Pierre Perrin, compartilhado de Outras Palavras
na foto: O líder do Irã, Ali Khamenei, é visto aqui em 2019 com o então comandante do IRGC-QF, Qassem Soleimani, alguns meses antes de Soleimani ser morto em Bagdá. [Khamenei.ir]
Por Jean-Pierre Perrin, no Mediapart | Tradução: Glauco Faria, a partir de versão em castelhano, por Pablo Stefanoni, no Nueva Sociedad.
O ataque iraniano procura enviar uma mensagem a Israel sem gerar uma escalada, e é tanto para consumo interno como para os seus aliados regionais. No entanto, as ações militares, destinadas a “vingar” o ataque israelense ao consulado iraniano em Damasco, ultrapassam um limiar: da guerra por procuração a um ataque direto de Estado a Estado.
Com a Operação Honest Promise, Teerã executou a sua vingança. O próprio líder supremo do Irã, o Aiatolá Ali Khamenei, reconheceu isso abertamente. Nos minutos que se seguiram ao início do ataque iraniano contra Israel, na noite de sábado, ele repetiu em sua conta na plataforma X a ameaça que havia feito alguns dias antes: “O regime maligno será punido”. Mas esta foi uma vingança cuidadosamente calibrada, estrategicamente calculada para evitar uma verdadeira escalada regional, e não destinada a infligir danos graves ao Estado israelense.
Para Teerã, o objetivo era mostrar a Israel que não aceitará mais ver os seus altos funcionários serem eliminados um após outro na Síria e no Líbano. E também mostrar aos seus aliados regionais, cansados de receber duros golpes sem uma resposta iraniana, que tem capacidade para atingir o seu inimigo e fazê-lo com uma operação em grande escala. Foi também uma mensagem para a população iraniana.
O fato é que um limite foi ultrapassado. Pela primeira vez na sua história, a República Islâmica do Irã, ao lançar várias centenas de drones e mísseis, realizou um ataque direto, massivo, de Estado para Estado, contra Israel.
A face da guerra mudou assim, embora para Teerã não tenha sido mais do que uma operação de retaliação em resposta ao assassinato, em 1º de abril, na embaixada iraniana em Damasco, de dois generais e uma dúzia de outras pessoas, incluindo sete oficiais do Força Al-Quds (um dos nomes árabes para Jerusalém), um ramo da Guarda Revolucionária encarregado das operações estrangeiras da República Islâmica.
Até agora, a guerra tem sido travada nos bastidores, com o apoio de Teerã, essencialmente pelos seus líderes (os houthis iemenitas, certas milícias xiitas iraquianas etc.) e pelos seus aliados regionais: o Hezbollah libanês e, em menor medida, Damasco. O conflito está agora vindo à luz, abrindo um novo ciclo de possível guerra aberta, especialmente se Israel retaliar. Um alto responsável israelense já afirmou que haverá uma “resposta significativa”, segundo a agência Reuters, que citou um canal de Israel.
Após o ataque ao consulado de Damasco, levado a cabo em plena luz do dia por combatentes israelenses, Teerã imediatamente argumentou que se tratava de um ataque ao seu próprio território, uma vez que o enclave goza de proteção e inviolabilidade diplomática e de imunidade pessoal. No dia seguinte, o ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, classificou o ataque israelense como uma “violação de todas as obrigações e convenções internacionais”. Os líderes iranianos acreditam que têm o direito de retaliar o território de Israel. O presidente iraniano, Ebrahim Raissi, expressou sua satisfação em comunicado publicado no domingo, 14 de abril: “O agressor foi punido”.
Segundo vários especialistas, o ataque israelense, combinado com os dos meses anteriores, afetou gravemente a cadeia de comando da força Al-Quds, especialmente no que diz respeito aos fornecimentos a grupos pró-Irã na região. Mas embora o Irã tenha abandonado o seu conceito de “paciência estratégica”, que lhe permitiu justificar a sua falta de resposta aos ataques anteriores de Israel, não parece querer entrar numa guerra declarada com Tel Aviv. “O caso pode ser considerado encerrado”, declarou a Missão Permanente da República Islâmica do Irã junto à Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 10. “No entanto, se o regime israelense cometer outro erro, a resposta do Irã será consideravelmente mais dura. Este é um conflito entre o Irã e o regime desonesto israelense, e os Estados Unidos devem ficar fora dele”, acrescenta o comunicado. O presidente iraniano emitiu a mesma ameaça: “Se o regime sionista ou os seus aliados se comportarem de forma imprudente, receberão uma resposta decisiva e muito mais enérgica”.
Estes avisos mal escondem o receio de Teerã de ser arrastado para um conflito em que tem tudo a perder, à medida que se aproxima da sua capacidade nuclear. Segundo informações de fonte interna do regime reveladas por um especialista francês, as forças armadas iranianas só têm capacidade militar para cerca de sessenta dias contra Israel. Além disso, carecem de recursos financeiros, que são o nervo da guerra.
O comunicado da missão permanente da República Islâmica do Irã foi publicado antes de os drones e mísseis chegarem a Israel, o que atesta a mesma preocupação em ver a região arder e, consequentemente, a sua fragilidade estratégica. Da mesma forma, no mesmo texto, o receio do Irã de um confronto com os Estados Unidos torna-se ainda mais evidente, caso Washintgon se junte a Tel-Aviv em retaliação.
Um alto funcionário dos EUA disse ao site americano Axios que o presidente Joe Biden avisou Benjamin Netanyahu que o seu governo se oporia a qualquer retaliação do Estado de Israel contra o Irã. As conversações entre Washington e Teerã, em particular sobre a retirada das últimas forças dos EUA destacadas no Iraque, estão em curso em Mascate (Omã) e transcorrem há vários meses.
Finalmente, os habituais aliados e representantes do Irã não têm sido muito ativos. O Hezbollah contentou-se com algumas rajadas de foguetes lançados contra as Colinas de Golã, como tem feito todos os dias desde 8 de outubro, apesar de o seu potencial de mísseis e foguetes — mais de 100 mil, segundo estimativas de alguns especialistas — constituir a maior ameaça que Israel enfrentaria. E os foguetes lançados pelos houthis contra o sul de Israel, “em coordenação” com o Irã, foram ataques mais simbólicos do que eficazes.
A verdade é que o ataque iraniano, embora inicialmente tenha permitido a Teerã salvar a imagem, foi também uma operação espetacular, com drones sobrevoando a mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local sagrado do Islã, em Jerusalém, que mais uma vez lhe garante a reputação no mundo árabe de ser a única potência regional capaz de confrontar Israel e o único defensor da causa palestina.
Para o regime, os benefícios da Operação Honest Promise também foram internos. A operação surge poucos dias depois do início da repressão contra as mulheres sem véu, com o destacamento maciço de milícias de “repressão ao vício” nas principais cidades, mostrando que as autoridades ainda não aceitaram que perderam esta batalha e pretendem retomar as ruas. Nas redes sociais, podem ver-se imagens de mulheres jovens a serem violentamente agredidas e detidas, algo que se tinha tornado muito mais raro nos últimos meses.