O dia em que assisti à “cura gay” na Califórnia, mais de 20 anos atrás

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Por Luiz Carlos Azenha, em Viomundo – 

Eu era correspondente do SBT em Nova York, nos anos 90, quando aproveitei o intervalo entre duas corridas de Fórmula Indy e fui fazer a reportagem sobre a cura gay.

O conservadorismo cristão vinha em alta desde a eleição de Ronald Reagan, em 1980. Foram militantes cristãos que bateram de porta em porta na campanha para buscar votos para Reagan, que encarnava a promessa de uma volta ao passado bucólico e tradicional dos Estados Unidos — em linguagem cifrada, isso significa o período em que mulheres, negros e gays “sabiam o seu lugar”.

Logo Reagan, que tinha uma filha gay!

Este sonho de retorno a um passado em que as hierarquias eram “respeitadas” fica cada vez mais forte para uma parcela minoritária dos estadunidenses — à medida em que a sociedade como um todo se torna mais plural e mais diversa.

Trata-se de uma luta titânica para frear a História, num momento em que as mulheres, os negros e os gays conquistam espaço cada vez maior na sociedade e os jovens, de maneira esmagadora, se tornam menos sujeitos ao preconceito e mais abertos à diversidade.

Gênero, em alguns círculos minoritários dos EUA, nem é mais motivo de discussão, dada a fluidez que os próprios jovens experimentam no dia a dia (namoram livremente).

Pois bem, fui à sede de uma igreja cristã que realizava os seminários da cura gay. Assisti brevemente a uma ‘aula’ em que se dizia que era tudo uma questão de força de vontade.

Um grupo de jovens, reunido numa sala, conversava com um pastor/psicólogo com o objetivo de abandonar o “hábito”, como se fosse uma reunião dos Alcoólatras Anônimos.

A obsessão pelo controle dos órgãos sexuais espelhava, acima de tudo, o medo do ‘descontrole’ — essa necessidade imensa de autoafirmação dos Bolsonaros diz mais sobre eles próprios do que sobre a ‘perversão’ alheia.

Nosso entrevistado era um jovem que se dizia arrependido de ser gay e decidira casar e “constituir família”. Fomos apresentados à noiva.

Na minha percepção pessoal, intuição de repórter, tratava-se de uma pessoa encarregada de cumprir a tarefa de marketing de vender o ‘tratamento’.

O entrevistado me contou sua trajetória pessoal, associando sua experiência gay a um período de tristeza e sofrimento e afirmando que seria diferente quando finalmente tivesse um filho.

Naquela época, casais gays da Califórnia estavam na vanguarda das adoções de crianças (tema de outra reportagem que fiz).

Lembrei a ele que esta possibilidade estava aberta, mas o entrevistado insistiu no discurso de que Deus tinha criado o homem e a mulher e dado a eles o papel de se reproduzir, ponto.

Para efeito de contraponto, fui ao culto de uma igreja evangélica de Los Angeles que pregava para os gays. A West Hollywood United Church de Cristo, no Sunset Boulevard.

Foi um choque pessoal: se na igreja da cura gay eu tinha ouvido falar sobre culpa, perversão e pecado — coisas que geralmente associamos aos católicos –, naquela reunião dominical o espírito era de inclusão e diversidade, expressa na música e nos cânticos.

Fui, em seguida, a um picnic promovido pela igreja. Entrevistei um pastor heterossexual e uma pastora gay.

Nas entrevistas, ambos disseram que a cura gay era algo extremamente lucrativo.

Pais conservadores, desesperados com a descoberta de filhos gays, pagavam qualquer coisa pela esperança de reverter a situação.

Qualquer coisa? Sim, diziam. 30, 40, 50 mil dólares. Em seminários, em sessões especiais equivalentes a ‘exorcismo’, em ‘apoio psicológico’. De acordo com as entrevistas, havia uma indústria da reversão dos gays.

Minha impressão pessoal: a ‘cura gay’ serve especialmente aos pais que desejam controlar a sexualidade dos filhos, o que em si é uma doença.

Realizar-se em função do controle da sexualidade alheia, isso sim, é perversão.

Vinte anos se passaram.

Hoje a cura gay está, para todos os efeitos, desmoralizada nos Estados Unidos. Mas a “terapia de conversão” ainda é aplicada, com métodos que lembram Pavlov: ao desejo por uma pessoa do mesmo sexo o “doente” deve praticar algum ato de autopunição. Por exemplo, usando um elástico no pulso e explodindo o elástico contra a própria pele se tem pensamentos “maus”. Como se fosse um “vício”.

Por outro lado, a Califórnia se prepara para a venda legalizada de maconha, cujo consumo em pequenas quantidades a polícia local já deixou de reprimir. Do ponto-de-vista da maioria, a cura gay é vista como algo bizarro.

Agora, os estelionatários da cura gay, aparentemente, estão tentando emplacar a sua indústria no Brasil. Com duas décadas de atraso, como é tradicional do país que foi o último a abolir a escravidão.

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