O dia em que Bibi Ferreira tranquilizou um jovem “foca”

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Por Washington Luiz de Araújo, jornalista que tem saudades dos tempos de “foca”

Eu era um jovem “foca” de 26 anos, doido para fazer grandes reportagens, mas receoso de não dar conta. Naquele primeiro de março de 1985 catava milho com agilidade numa máquina de datilografar quando ouço meu editor no jornal Diário do Grande ABC: “Washington,  vá  agora até o teatro entrevistar a Bibi Ferreira, que vai apresentar a peça Piaf aqui em Santo André”. E eu gaguejei:  Bi-bi-bi o quê? Me deu uma tremedeira… Seria minha primeira matéria especial e justo com Bibi Ferreira!




Fui, tremendo, mas fui. Chegando lá, fui tão bem recebido pela grande diva do teatro brasileiro que até esqueci do meu nervosismo. Foi um papo muito bom, de quase duas horas.  Se ela percebeu algum tremor em minhas mãos, foi uma lady, não demonstrou.

Bibi começou contar da sua infância, de ter estreado num palco aos 20 dias de nascida. Estreou no colo da atriz e madrinha Abigail Maia, substituindo uma boneca que havia desaparecido da coxia.

Falou das dificuldades e das delícias de ter nascido filha  do grande ator Procópio Ferreira e da bailarina espanhola Aída Izquierdo.  Lembrou de quando, aos nove anos, foi rejeitada no tradicionalíssimo Colégio Sion por ser filha de um ator. As carolas freiras não eram mole, não.

Falou da adolescência, quando enveredava para a música e dança, fazendo parte do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio,  e foi chamada para contracenar com o pai em sua companhia teatral.

A ideia, prontamente aceita por Procópio, veio por telegrama de um amigo, o produtor Gastão Pereira da Silva. Dizia a mensagem: “Responda se posso estrear Bibi. Próxima temporada. Teatro Serrador. Beijos.”  

A estreia com o pai foi aos 19 anos, em 1941, na comédia “La locandiera”, de Carlo Goldoni,  se deu com tranquilidade. Bibi disse que naquela época pensavam nas teorias freudianas da concorrência de pai e filha pelo mesmo espaço, mas esta não era a sua preocupação, nem de Procópio.

Bibi, mesmo com a morte de Procópio, em 1979, sempre levava sua experiência ao palco: quando estava com algum problema de difícil solução pensava no pai e como ele resolveria.

Como a entrevista era sobre a peça Piaf, Bibi disse que ia se transformando na cantora francesa ao se olhar no espelho durante a maquiagem, procurando a voz do personagem e se concentrando.

Para ela, saber interpretar era uma técnica sem mecanismo. O problema não é sentir o personagem com todas as suas dores e sim transmitir o que pensa sentir. “O importante é entrar na verdade, na dor, sem sofrer demasiado. Caso contrário, o ator não teria possibilidade de voltar para o segundo ato, muito menos ficar ficar mais de dois anos em cartaz”. Bibi ficou seis anos em cartaz com o espetáculo Piaf.

Perguntei a ela se pensava em um dia ser homenageada no palco como foi feito com Piaf. “Algumas artistas se preocupam como exibicionismo de subir escadarias com plumas e caldas. Este não é meu interesse. Meu nome fica abaixo de muita gente quando dirijo. É disso que as pessoas devem se lembrar de mim quando pensarem em fazer algo ao meu respeito. Gosto muito de teatro, quero ser retratada  como alguém que gosta do que faz, independente de funções”.

Estávamos a 14 dias da posse de José Sarney, naquele momento no lugar de Tancredo Neves que foi hospitalizado e depois  veio a falecer. E Bibi afirmou que aqueles quase 21 anos que permearam o golpe militar marcaram a pior crise do teatro brasileiro. Para ela, “o autor é um repórter de seu tempo, retratando o momento, como censuraram a maioria dos grandes dramaturgos, aquela época ficou totalmente em branco em termos culturais.”

Ela explicou o porquê desta lacuna cavada pelo autoritarismo: “O teatro retrata o sofrimento do chofer de táxi e, por extensão, de todo o povo brasileiro, em suas esperanças e desesperanças. O momento é importante e há a liberdade para a criação”.

Liberdade ameaçada e vilipendiada que Bibi Ferreira vislumbrou nos últimos anos de sua vida.  Em 2016,  assim se expressou a atriz a respeito do golpe que estava para ser imposto a Dilma Rousseff:  “Falta de respeito não só com uma presidenta que obteve nas urnas mais de 54 milhões de votos e com toda população. Querer retirá-la da presidência sem que ela tenha praticado qualquer crime é inaceitável”.

 

PS: Depois da publicação da entrevista, Bibi enviou um recado para mim: queria a fita cassete com a qual gravei a entrevista. Gostou muito do bate papo e queria guardá-la. Recebeu, lógico.

Vejam a linda apresentação da grande artista em 1993, quando gravou  com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais o disco Bibi Canta e Conta Piaf. Vejam um momento especial dos especiais:  Bibi cantando com seu empresário Nilson Raman. 

 

Bibi com a mãe, Aída e o pai, Procópio

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