O dia em que um juiz de futebol fez um gol legítimo e outro dia em que juízes de um tribunal fizeram gol de mão

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Washington Luiz de Araújo, jornalista – 

Ano de 1983, jogo Santos e Palmeiras no Morumbi. Até os 46 minutos do segundo tempo, o Santos vencia por dois gols a um. Naquele exato momento, o atacante Jorginho do Palmeiras, chuta com força, do “bico” da área, para o gol de Marola, mas a bola foi para fora. Ou melhor, ia para fora, mas bateu no árbitro José de Assis Aragão, traçou uma parábola e entrou no gol, para alegria dos palmeirenses e espanto dos santistas, eu, incluso. O árbitro, que neste caso estava na linha de fundo, ao lado da trave direita do goleiro, é considerado ponto neutro, portanto o gol foi legítimo. Neutros também deveriam ser os ministros do STF – Supremo Tribunal Federal, mas… José de Assis de Aragão chegou ao ponto de, um dia após ser “consagrado” como árbitro artilheiro, escrever e entregar uma carta de demissão à Federação Paulista de Futebol. Não foi aceita. Já os doutos do STF não demonstram nenhum sinal de arrependimento ou de se considerarem suspeitos em interferir, descabidamente, na vida política brasileira. Pelo contrário, já estão aquecidos para vestirem suas togas e entrarem pelo túnel para uma nova partida. Se precisar, podem até fazer mais um golzinho de mão…




Resumo do jogo: o presidente do Senado não aceitou liminar do ministro do STF, Marco Aurélio Mello, que o suspendia da presidência, por ser réu. O caso foi colocado, rapidamente, em votação e o  STF deu condição ao réu Renan Calheiros, mantendo-o como presidente do Senado Federal, mas, numa solução “jabuticaba”, tiraram-lhe a prerrogativa que cabe a um presidente de Senado de ocupar cargo na linha da sucessão presidencial. Ou seja, Renan Calheiros não pode substituir o presidente da República, aquele que entrou no jogo não tendo condições legais para isso. Mas isso foi uma partida anterior neste campeonato de golpes.

Sobre a questão, o sociólogo Fábio Kerche escreveu: “Quando você precisar de um exemplo de que os dois lados estão errados, lembre-se do STF e do Senado. O primeiro por não se dar ao respeito e querer protagonizar o cenário político, o segundo por não se dar ao respeito e aceitar os acordos mais espúrios para preservar os seus.” Ou seja, não tem santo nesse jogo.

Por sua vez, o jornalista Luis Nassif assinalou que Renan Calheiros foi beneficiado pelo STF “porque o presidente do Senado tinha nas mãos a definição da urgência da Lei do Abuso de Autoridades e dos salários acima do teto. Pela mesma razão que um transeunte bate o pé ante um poodle, mas não ante um pitbull. E também porque não queriam atrapalhar a tramitação da PEC 55 e da reforma da Previdência”.

Na súmula desse escabroso “espetáculo” poderemos, portanto, afirmar que estão mais preocupados com o “bicho” (antiga expressão para a premiação financeira de vitória no futebol) e salários do que com o respeito às regras institucionais, pouco se lixando com os possíveis prejuízos sofridos pela imensa e sofrida torcida brasileira.

Por que comparo futebol com o momento político brasileiro? Em 1983 ainda vivíamos sob a ditadura militar, embora ela já estivesse no final, os momentos derradeiros de uma triste partida que acabaria somente em 1985. Mesmo assim, fomos buscar esse episódio em que um juiz de futebol agiu dignamente, pois reconheceu a regra do jogo, mesmo tendo feito um inusitado gol. Hoje, tantos as 17 regras do futebol estabelecidas pela International Board, quanto a Constituição de 1988 são interpretadas ao bel prazer de um reles juiz de futebol ou daqueles que exigem respeito, mas que não se dão ao respeito, ministros da STF.

Ele interferiu no resultado de um jogo de futebol, mas não permitindo um pênalti ilegal, nem um impedimento ou expulsando um craque sem justificativa, mas fazendo um gol nada intencional. Hoje, as instituições não agem de acordo com Constituição. Pelo contrário.

O STF, Legislativo e um Executivo que traz no topo um mandatário golpista, agem de acordo com as conveniências. Os três se embaralham, como se um árbitro de futebol, jogadores e cartolas jogassem a mesma partida. E haja balbúrdia, pois na transmissão dessa partida escandalosa está uma mídia que torce e distorce a favor dessa equipe promíscua.

E o povo está do outro lado do campo, assistindo esse time de conluio decidir o seu futuro nada promissor. Alguns preveem que o resultado será bem pior dos que os 7×1 contra a Alemanha; outros, não sabem o que está acontecendo, mas já perceberam que vai sobrar para eles no final e outra parcela, que pode pagar o ingresso, assiste de camarote, considerando-se parte daquele time, comemorando os gols ilegais. Afinal, o importante é vencer. Infelizmente, não dá para falar como o antigo locutor esportivo Fiori Gigliotti, “fecham-se as cortinas e termina o espetáculo”, pois ainda estamos muito longe do crepúsculo deste jogo lamentável.

PS. Coincidência destes tempos movimentados, quando as redes sociais repercutem com precisão os acontecimentos. Um amigo envia pelo whatsapp: “Acabou de acontecer na final de um campeonato de futebol: juiz expulsa jogador de um time, mas ele se recusa a sair de campo e ingressa com recurso no STF. O tribunal decidiu que o atleta pode ficar em campo, mas não pode fazer gol. Coisas do futebol”.

Vejam aqui o gol do árbitro José de Assis Aragão e a reação dos jogadores:

https://www.youtube.com/watch?v=buApKDeergU

https://www.youtube.com/watch?v=buApKDeergU

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