O Direito de Resposta vai salvar o jornalismo

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Publicado no Jornal GGN –

Dizem os porta-vozes da mídia que a implementação da Lei de Direito de Resposta inviabilizará a liberdade de imprensa.

Seria o mesmo que a indústria automobilística afirmar que a obrigatoriedade do air bag e do extintor de incêndio inviabilizariam a produção de veículos. Ou os fabricantes de geladeiras sustentarem que a obrigatoriedade de certificados de eficiência energética inviabilizaria a produção de geladeiras. Ou ainda os laboratórios farmacêuticos exigirem o fim dos certificados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a comercialização de remédios.




 

Houve a mesma grita quando o Código de Defesa do Consumidor foi implementado no Brasil. Era o país antigo, de economia fechada e sem direitos do consumidor, reagindo contra os ventos da modernidade. Alegava-se que cuidados adicionais encareceriam os produtos a ponto de afastar os consumidores; os custos seriam excessivos etc.

O que ocorreu de lá para cá foi o aumento gradativo da qualidade dos produtos, empurrados pelas exigências do consumidor, devidamente amparadas por lei.

É assim que as modernas economias de mercado se aprimoram. Criam condições de defesa do consumidor – impedindo concentração de poderes e dando armas de defesa. Estes passam a recorrer aos novos instrumentos. Como consequência, as empresas se adaptam às novas exigências, tornando-se melhores.

O pior produto: a informação

Hoje em dia o produto de consumo de pior qualidade do mercado são as notícias dos grandes veículos. Se houvesse uma Lei de Defesa do Consumidor de notícias, em vez de vítimas de ataques pleiteando direito de resposta, haveria milhares de leitores reclamando contra manchetes e capas vendendo conteúdos que não se confirmam. Seria um recall permanente.

A Lei de Direito de Resposta não impõe multas, não inviabiliza financeiramente os veículos. Apenas os obriga a serem criteriosos na divulgação dos fatos e cautelosos nos ataques a pessoas. Ou seja, obriga-os a fazer jornalismo sério. A punição consiste em publicar a versão do atingido.

Os resultados já podem ser avaliados nas últimas semanas. Reduziu-se drasticamente o esgoto vindo dos jornais, a adjetivação sem sentido, os ataques não-fundamentados. Os editores provavelmente estão exigindo dos repórteres mais dados para confirmar informações delicadas; provavelmente matérias críticas voltam a ser submetidas ao Departamento Jurídico.

É esse cuidado – básico em qualquer jornalismo sério – que, em seu libelo contra a lei, Mirian Leitão taxa de “autocensura”. Sua opinião é a mesma do vendedor, que critica a área de qualidade  por exigir aprimoramentos no produto final, visando resguardar a empresa de processos propostos por órgãos de defesa do consumidor. Seu negócio é vender qualquer coisa.

Construção da lei

De qualquer forma, há um longo caminho na formação da jurisprudência. E ela será formada a partir de decisões de centenas de juízes de primeira instância. Posteriormente, caberá ao STF (Supremo Tribunal Federal) definir normas e limites, mas a partir da análise concreta de sentenças proferidas.

A jurisprudência se forma na análise de casos. E o Judiciário, a partir de agora, deverá se aprofundar nas características da notícia jornalística.

No início, os julgamentos deverão se concentrar nas ofensas diretas e mentiras divulgadas.

Mas há diversas maneiras de contar uma mentira meramente não contando a verdade toda. Uma delas é a escandalização de fatos irrelevantes. Exemplo maior é o “escândalo” com a compra de tapioca com cartão corporativo. Contou-se rigorosamente a “verdade”: Orlando Silva comprou uma tapioca com um cartão corporativo. A partir daí montou-se uma campanha de difamação que deixou para a opinião pública a imagem de um servidor público desonesto.

Ou seja, a manipulação das ênfases é uma das formas mais empregadas de crime de imprensa.

Outro golpe frequente é somar valores recebidos em longos períodos e divulgar como se fosse um grande escândalo.

Outro atentado à boa informação é a combinação com a fonte – em geral ligada às investigações. A fonte “desconfia” de determinado fato e transmite a desconfiança ao repórter. O jornal publica a “desconfiança”, mesmo que não tenha nenhuma evidência maior a respeito. E como a Constituição garante o sigilo de fonte, fica-se nesse papai-mamãe que estupra a objetividade jornalística.

Esse estratagema tem sido utilizado abundantemente nas grandes investigações policiais.

Os méritos da regulação

Nem se pense que esse céu de brigadeiro da notícia nos últimos dias permanecerá por muito tempo. Não se recupera a qualidade jornalística em um piscar de olhos. O esgoto jornalístico é um vício, assim como o exercício da pornografia ou o uso do crack. Mas, ao contrário dos programas de redução de danos das pessoas físicas, no caso das jurídicas o único caminho de desintoxicação é a regulação.

No final dos anos 90, diversos artigos que escrevi na Folha sobre o bom e o mau jornalismo foram encaminhados aos editores por donos de empresas das mais diversas – do Ruy Mesquita no Estadão ao Roberto Civita da Abril. Por trás desses cuidados, pairava um projeto de lei visando enquadrar a mídia. Foi só o projeto de lei ser abandonado para a mídia brasileira ingressar na era da infâmia.

Sugere-se aos legisladores – que em breve apreciarão a matéria – que pesquisem a reação dos grupos de mídia contra a mera indicação etária para os programas, lá pelos idos de 2003. A Globo colocou na linha de frente diversos colunistas bradando que seria o fim da liberdade de expressão.

Cada tentativa de regulação, por mais tímida que seja, provoca gritos, invocando princípios constitucionais de liberdade de expressão que não se aplicam de maneira restrita à imprensa. É sempre a falsa ameaça de que regular significará comprometer a liberdade de expressão, valendo-se, para tanto, do parco conhecimento do Judiciário em relação ao ofício da imprensa.

Com essa limitação ao seu poder de denegrir, manipular ou mentir, certamente restará aos grupos de mídia se restringir ao seu ofício nobre: informar e argumentar de forma civilizada.

Se praticarem corretamente essa “autocensura” é até possível que os grandes veículos nacionais consigam atingir níveis de qualidade similares aos dos grandes veículos das economias modernas.

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