O drama de uma comunidade na Tijuca que luta contra a covid-19 às margens de um rio poluído

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Por Igor Soares, compartilhado de Projeto Colabora – 

Para os moradores da comunidade da Indiana, na Tijuca, manter a higiene sem condições mínimas de saneamento é o maior desafio

Carla Cristina diz que em dias de chuva o rio transborda e alaga a casa: “Não temos escolha”. Foto Igor Soares

Moradores da comunidade da Indiana, situada na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, vivem e sofrem isolados às margens do poluído rio Maracanã. Sem tratamento de esgoto, uma parte grande do rio corta toda a favela. Com a falta de acesso ao saneamento básico, a única opção para quem vive na comunidade é buscar água em uma torneira comunitária e lançar o esgoto dentro do rio, que, segundo os moradores, em dias de chuva, acaba alagando as casas. Além disso, becos muito estreitos e a proximidade entre as habitações colocam em risco a vida de quem mora no local. Assim, medidas de distanciamento social, recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e por todos os especialistas para evitar a proliferação da covid-19, acabam não funcionando.




Paulo Barrocas, professor do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz), afirma que não se pode ter saúde sem acesso ao saneamento básico. “Ter acesso a uma quantidade mínima e com qualidade adequada de água é essencial para os hábitos de higiene, que são a principal barreira sanitária contra o vírus”, explica.

Na comunidade, é difícil ter acesso pleno à água, mesmo diante de uma situação grave. Segundo os moradores, o abastecimento é alternado e a única solução é uma torneira dividida entre eles para lavar as roupas e tentar manter o mínimo de higiene. “Se não tem esse direito básico, já está naufragando a barreira contra o vírus”, complementa o pesquisador.

Questionada sobre como é viver de frente para um rio, Carla Cristina de Oliveira Costa, de 42 anos, é categórica: “Eu não tenho escolha”. Segundo ela, em dias de chuva, o rio transborda e alaga a casa onde mora. “Tenho que tirar a água, passar um pano, limpar e depois ir dormir”, completa. O isolamento é uma tarefa difícil para ela e para outros moradores. Vivendo em uma residência de dois quartos, sala, cozinha e banheiro, a moradora divide um quarto com a filha de 12 anos enquanto os outros dois, de 14 e 22, dormem no segundo.

Márcia Rodrigues é mãe solteira e aguarda uma ajuda do governo. Ela e o filho Alex estão desempregados. Foto Igor Soares
Márcia Rodrigues, mãe solteira aguandando ajuda do governo, e seu neto, de 4 anos: ela e o filho Alex estão desempregados. Foto Igor Soares

A solidariedade se tornou a principal companheira dos moradores, em meio ao caos da Covid-19. A Associação de Moradores da Indiana está recebendo doações de alimentos e produtos de higiene para aqueles que estão mais vulneráveis economicamente. Maria do Socorro da Silva, presidente da associação, diz que o maior desafio é pedir para que as pessoas permaneçam em casa, se possível. “Infelizmente, tem gente que não está acreditando na seriedade da doença.” Ela diz que uma moradora se disponibilizou, gratuitamente, a confeccionar máscaras caseiras para distribuir para a população.

Entre os muitos problemas que esta pandemia trouxe, a questão financeira é uma das principais para os moradores de comunidades. Carla Cristina vive da pensão do marido, mas conta que, com a pandemia e as crianças sem aula, o dinheiro não está cabendo nas necessidades da família. “Agora, com todo mundo em casa, as crianças estão comendo muito mais. Há duas semanas, a mistura é ovo, porque não sobra dinheiro para comprar carne”, revela. Ela trabalhava como manicure em um salão da comunidade para complementar a renda. “As clientes não estão indo fazer a unha, porque muitas também foram demitidas, ou seja, é uma cadeia de desastres.”

Estou em casa resguardando a minha vida, tentando manter a higiene. Estou sempre correndo atrás, tomo conta de criança e mantenho a casa com os R$ 400,00 que recebo pelo serviço

Márcia Rodrigues
Desempregada

O Governo Federal liberou um auxílio emergencial de R$ 600,00, pagos em três parcelas a trabalhadores informais, pessoas de baixa renda e mães chefes de família, que podem receber duas cotas do valor, impactados pela crise do novo coronavírus. Embora Cristina seja a responsável financeira da casa, ela não tem direito por ser beneficiária da Previdência.

Ana Márcia Rodrigues Pereira, 52, é mãe solteira e, também, moradora da Indiana e ainda está aguardando pelo benefício. Ela e o filho Alex Pereira, de 24 anos, estão desempregados. Fazem parte da estatística de milhões de brasileiros que ainda aguardam pelo auxílio emergencial. A mulher ainda tem uma filha, de 15 anos e um neto, de 4. Não bastasse a atual situação financeira, a mãe, que é doente crônica renal, pertence ao grupo de risco do novo coronavírus.

A impossibilidade de trabalhar fora da favela fez Ana Márcia se reinventar para suprir as necessidades de casa desde que descobriu a doença. E, agora, nesse cenário de pandemia, diz que os cuidados se intensificaram, tanto para sobreviver quanto em relação à saúde. “Estou em casa resguardando a minha vida, tentando manter a higiene”, conta. Com o impacto do coronavírus na renda da família, sustentar a casa ficou ainda mais difícil. “Estou sempre correndo atrás, tomo conta de criança e mantenho a casa com os R$ 400,00 que recebo pelo serviço.”

Nas favelas do Rio, centenas de milhares de moradores e instituições lançaram campanhas para ajudar famílias que perderam o emprego por causa da crise da Covid-19. “Sem alimentação adequada, eu saio para ver se consigo doação”, revela. A situação da mulher é um reflexo de muitas outras famílias afetadas pelos impactos do vírus.

O #Colabora procurou a prefeitura para comentar sobre o tratamento do rio Maracanã e indagar se existe alguma política pública para a população. A Rio Águas informou que realiza serviços constantes de limpeza, desobstrução e desassoreamento nos rios e canais municipais durante todo o ano e que o rio Maracanã faz parte da programação permanente do órgão. Não obtivemos retorno sobre políticas públicas na comunidade durante a pandemia.

A Tijuca, onde está localizada a comunidade, é o terceiro bairro com mais casos de Covid-19 na capital fluminense. Até o dia 28, a região registrou 171 casos e 16 óbitos, de acordo com o painel de monitoramento da prefeitura.

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