Por Naine Terena, publicado em Projeto Colabora –
Buscando espaço na política e na agenda nacional, elas assumem o protagonismo de suas causas e lutam contra o etnocídio e o ecocídio
Pela primeira vez, mais de três mil mulheres indígenas estiveram reunidas em uma marcha para mostrar que são protagonistas da luta por políticas públicas e pela manutenção dos direitos dos povos indígenas brasileiros. A Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu nesta terça-feira (13/08) em Brasília, foi gestada, segundo Célia Xacriabá, uma das organizadoras, há três anos. O processo de engajamento das mulheres indígenas, segundo ela, que também é representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), vem crescendo e tende a ficar cada vez mais articulado para que elas possam fazer mais denúncias contra o genocídio, o etnocídio e o ecocídio. “Nós entendemos que a mulher indígena tem uma responsabilidade de cura neste momento para uma sociedade que se encontra doente”.
A fala de Célia tem um forte apelo no que diz respeito à importância das mulheres indígenas dentro de seus territórios, na cosmologia de cada povo e na manutenção da vida no planeta, o que inspira o tema da Primeira Marcha: ‘Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito’. Também organizadora da marcha, Sonia Guajajara acrescenta que este é um momento instável, em que é necessário que as mulheres assumam a liderança na defesa da mãe terra.
Ao longo do dia, as palavras de ordem foram protagonismo e liderança, e diversas demandas dessas mulheres e de suas comunidades foram debatidas, entre elas, a mineração, saúde, educação e a violência.
Territórios e corpos ameaçados
Na segunda-feira, as mulheres ocuparam a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que faz parte do Ministério da Saúde, para reivindicar a manutenção do subsistema de saúde indígena e a não municipalização do atendimento aos povos indígenas. Também reivindicaram a saída da atual secretária da pasta, Silvia Nobre, com quem um grupo de mulheres se reuniu após a liberação do espaço por parte das manifestantes.
Ainda na segunda-feira, outra preocupação ganhou a cena: o projeto de lei do Licenciamento Ambiental. Cientistas e ambientalistas divulgaram uma nota de repúdio às alterações no texto feitas pelo deputado Kim Kataguiri. A versão final, que será apreciada na Câmara dos Deputados, extingue a necessidade de licenças para agropecuária e empreendimentos de infraestrutura.
A preocupação com o impacto de grandes empreendimentos na vida das comunidades indígenas perpassaram todas as atividades da marcha. Como parte da programação, várias frentes realizaram um ato contra a mineração em territórios indígenas e destacaram a urgência da demarcação imediata dessas terras, além da criação de um inventário por parte do Ministério da Justiça sobre a violência e o retrocesso contra os direitos indígenas dos últimos três anos. Na Plenária da Câmara dos Deputados, a indígena Raquel Kubeu destacou a possível implementação da Mina Guaíba, “que traz consequências desastrosas não somente para os indígenas, mas para moradores região metropolitana de Porto Alegre”, ressaltou. Além do impacto ambiental, o empreendimento prevê o deslocamento involuntário dos moradores do local.
A Mina Guaíba é um projeto da Copelmi Mineração e aguarda o processo de licenciamento por parte da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Se aprovado o projeto, serão escavadas uma área de aproximadamente 5 mil hectares, para a extração de 166 milhões de toneladas de carvão mineral, nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas (15 km de Porto Alegre). Recentemente, uma audiência pública foi realizada na região, porém, indígenas Guarani apontaram que nunca foram consultados sobre a instalação de grandes empreendimentos nas proximidades de suas áreas, o que fere o artigo 231 da Constituição Federal e os artigos 14 e 15 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atualmente na região existem cerca de 40 comunidades indígenas.
Protagonismo
Diante desses desafios, muitas mulheres indígenas buscam a formação superior, deixando suas comunidades, como é o caso de Simone Eloy, do Povo Terena. Simone é da aldeia Ipegue (Aquidauana/MS) é bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UFMS) e doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional-UFRJ. Atualmente é assessora técnica para as pautas indígenas do Psol em Brasília. Quando questionada sobre a importância de estar atuando profissionalmente em Brasília, Simone é enfática: “É de extrema importância ocuparmos esses espaços. É diferente quando nós falamos sobre a gente. Nós sabemos nossos problemas e buscamos as soluções”.
Outra mulher que também tem se dedicado diretamente ao meio político é Chirley Pankará, do povo Pankará. Chirley atualmente é co-deputada estadual em São Paulo, através do mandato coletivo pela Bancada Ativista Psol . Pedagoga, mestre em Educação e doutoranda em Antropologia Social pela USP, foi coordenadora de Educação infantil junto ao povo Guarani, nas aldeias Krukutu, Tenondé porã ( Parelheiros) e Tekoa pyau (Jaraguá), antes de ser eleita em 2018. Chirley também foi conselheira e secretária do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, em Mauá/SP, onde mora. Ela faz parte de um movimento de deslocamento de indígenas para regiões urbanas, quase sempre motivados pelo desmantelamento de suas comunidades e também a necessidade de geração de renda. Chirley pondera que viver na cidade não afasta indígenas do contexto urbano de sua essência.
A deputada explica que em seu dia a dia pode perceber a presença da vida e da memória indígena através de ações cotidianas, na criação dos filhos, no Toré e nos objetos que guarda. Assim como a deputada estadual Joênia Wapixana, Chirley tem sido uma interlocutora compromissada com a causa indígena, no meio político. Desde o começo do ano, quando assumiu a cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo, não mede esforços para movimentar a pauta indígena. Dentre suas atividades estão inúmeras palestras, audiências públicas e o diálogo com os indígenas que moram na cidade de São Paulo.