Por Cynara Menezes, Socialista Morena –
Confesso que Marcelo Madureira me intriga. Entre todos os sete integrantes do Casseta&Planeta, foi o único que se tornou um reaça de carteirinha. Porque o Claudio Manoel é assumidamente tucano, mas não é reaça. Madureira é reaça do nível estar à direita do Diogo Mainardi, ser parça do Danilo Gentili, fazer comentários na Jovem Pan e discursar em cima do carro de som dos Revoltados Online. Reaça no último.
Fico pensando o que aconteceu com o Madureira. Pesquisando sua biografia, vejo que tem 59 anos e é, ao contrário do que a gente pensava, curitibano e não carioca. Hum… Teria o fato de ser da terra de Sérgio Moro, com fama de conservadora, pesado na transformação de Madureira em reaça? Por outro lado, diz a Wikipediaque os pais do ex-comediante eram militantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e o próprio Marcelo engrossou as fileiras do partidão na juventude. Ou seja, Madureira é ex-comunista. Vixe! Todo mundo sabe que ninguém é mais furiosamente reaça do que um ex-comunista.
Tentando decifrar a psiquê de Madureira, mergulhei na minha velha coleção de almanaques Casseta&Planeta em busca de mais respostas. Fui uma grande fã do Planeta Diário e da Casseta Popular na adolescência. Cheguei a ir num show ao vivo da trupe no Canecão, em 1988. Eu simplesmente adorava o humor cáustico e nonsense deles. Mas hoje, relendo as revistas, me dei conta de que o humor que o Casseta&Planeta fazia datou. O almanaque é um verdadeiro catálogo de preconceitos. Tem de tudo ali.
Preconceito de classe:
Preconceito de classe + racismo:
Homofobia:
Preconceito de origem:
Preconceito de origem + racismo:
Machismo:
Putz. Me senti até envergonhada por um dia ter dado risada de algo tão repulsivo. É preciso lembrar que nesta época, final dos anos 1980, não se falava tanto quanto agora de preconceito, intolerância. Nem se sabia que bullying era bullying. E as vítimas das “inofensivas” brincadeiras tampouco haviam se conscientizado de que este tipo de humor não é engraçado, é apenas ofensivo. Negros, pobres, mulheres, gays, deficientes… Ninguém mais quer ser alvo de piada preconceituosa. Este tipo de humor datou, já era.
Muita gente ainda vai rir destas “piadas”? Infelizmente, sim. Mas é inegável que elas não cabem mais no Brasil e no mundo do século 21. Vejam bem, não é que tudo que o Casseta&Planeta fazia em sua revista fosse preconceituoso. Não, tem coisas hilárias até hoje ali, principalmente quando eles tiravam onda da guerra às drogas e mexiam com os políticos –homens, porque quando eram mulheres, como a ministra da Economia do governo Collor, Zélia Cardoso de Mello, fatalmente escorregavam no machismo.
E eu acho que foi essa perda que amargou o Madureira. Ele não se conforma que o humor “politicamente incorreto” que fazia ao lado dos Cassetas tenha datado, que tenha virado coisa do passado, demodê. Que a arte da comédia tenha se moldado à sociedade contemporânea e dado as costas para a ofensa, a agressão, o constrangimento, o preconceito. Não é à toa que Madureira se una com frequência a outras viúvas do humor-bullying, como Danilo Gentili, para chorar suas pitangas dizendo ser alvo de “censura”, “patrulhamento”.
Por incrível que pareça, o ex-casseta atribui à esquerda em geral e ao PT em particular o sepultamento do estilo de comédia que sempre foi seu ganha-pão, o que pode explicar suas obsessões, mas está longe de ser realidade. O empoderamento das minorias, para desgraça (literal) de Marcelo Madureira e outros reaças do humor, é uma consequência natural da evolução humana. O que Madureira queria? Que as mulheres continuassem a não se ofender com piadas machistas? Que os negros continuassem tolerando piadas racistas? Que os gays continuassem aceitando piadas homofóbicas? O mundo mudou, mas Marcelo Madureira acha que é “culpa do PT”.
Além de expiar na esquerda as frustrações por não fazer mais nenhum sucesso como humorista, Madureira, como muitos atualmente nos mais diversos ramos, do jornalismo ao rock, também se tornou reaça furioso por uma estratégia de sobrevivência. Como comediante, ele não conseguia mais ganhar dinheiro; mas como reaça profissional, conquistou um lugar ao sol. Ser antiesquerdista, antifeminista, antipetista, antilulista, virou um nicho midiático em nosso país, uma carreira.
Mas a verdade da qual Madureira foge é que para fazer humor na era pós-politicamente correto é preciso ser mais inteligente do que antes. Fazer rir mofando-se dos outros é fácil, qualquer aluno secundário faz. Difícil é driblar as justas limitações do respeito às minorias e ainda assim conseguir provocar gargalhadas. Em entrevista ao amigo Gentili em 2015, Madureira demonstra seu recalque com as novas gerações de humoristas ao declarar que Marcelo Adnet e o pessoal do programa “Tá no Ar”, da Globo, não são nada além de “uma cópia” do TV Pirata e do Casseta. Como se eles tivessem culpa do humor de Madureira ter envelhecido mal.
Os outros integrantes do Casseta&Planeta superaram melhor a dor da perda e aparecem na mídia sempre relaxados, sorridentes. Madureira, que no programa de TV fazia o tipo “rabugento engraçado”, deixou o “engraçado” de lado e virou só rabugento. Está sempre de cara amarrada, triste, enfezado, reclamando sem parar, repetindo chavões sobre o PT, Lula, a esquerda… Uma pessoa que desconhece o passado que teve no Casseta e assiste a seu comentário na Jovem Pan pelo youtube jamais dirá que algum dia ele foi um humorista.
Recentemente, Marcelo Madureira foi cobrado por ter apoiado Aécio Neves nas eleições e fez um vídeo se declarando “desapontado” com as denúncias contra o senador tucano. No fundo, talvez a esperança de Madureira e de outras viúvas do politicamente incorreto seja que um governo de direita será capaz de resgatar o tipo de humor que ele fazia. Sei lá, um presidente reaça que baixe um decreto liberando humoristas para dizer barbaridades e outro decreto obrigando as pessoas a não se sentirem ofendidas.
Obviamente isso nunca vai acontecer. Mesmo que a esquerda jamais volte à presidência do Brasil (toc, toc, toc), não fará ressuscitar o politicamente incorreto que Madureira tanto amava. Se eu estivesse no lugar dele, faria um enterro simbólico de tudo isso, virava a página e tentava reencontrar o caminho do humor perdido. Ou então esquecia o humor para sempre e entrava para a política de uma vez, de preferência no partido do Bolsonaro, outro que não tem graça nenhuma.