O fator Ciro

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Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, no Facebook

Quem acompanha com atenção o noticiário político, já havia notado que desde janeiro Ciro Gomes dava sinais de uma inflexão no discurso, tentando vender uma imagem de mais “cordato”. Razoavelmente temido pelo mercado financeiro pelo temperamento forte, o candidato presidencial do PDT levou nos últimos dias mais à frente a empreitada de não se caracterizar como um postulante do campo das esquerdas, mas sim de centro-esquerda.




Ciro, na verdade, está atirando para todos os lados. Esperava (ou ainda espera) o apoio do PT já no primeiro turno. Queria o aval, mas ao mesmo tempo, para não queimar pontes com a direita sem candidato, evitava aparecer em público com o petismo. O exemplo mais eloquente disso foi sua ausência solidária em São Bernardo do Campo naquele final de semana em que todas as esquerdas foram se solidarizar com o ex-presidente Lula antes de sua prisão. A percepção da inevitabilidade de uma candidatura própria do PT só reforçou os últimos movimentos de Ciro.

Nos últimos dias, o pedetista ciscou com DEM, PP e outras legendas conservadoras. E pode mesmo acabar levando uma naco da direita que não acredita nas chances eleitorais de Alckmin. A ideia de Ciro já está clara. Aposta que colherá apoio em parte da direita pragmática, aquela que não ficou fora de nenhum governo desde a redemocratização, e, na outra ponta, acredita que será beneficiado pelo voto útil das esquerdas.

Já foi publicado que nos bastidores: ele calcula que um concorrente do PT terá no máximo 10% dos votos, mesmo apoiado por Lula. E como Ciro deve ser tratado pelas esquerdas em campanha? Lula teria (e é provável que sim mesmo) recomendado que petistas não hostilizem Ciro.

Nas contas do ex-presidente, o candidato apoiado por ele estará no segundo turno e aí precisará de uma aliança com Ciro/PDT. Pragmático, Lula também não pode descartar completamente a hipótese de ocorrer uma disputa final entre Bolsonaro e Ciro, o que levaria o petismo a se aliar ao PDT contra o fascismo.

Existe, é verdade, muita relutância de petistas a Ciro, mas as relações dele com Lula sempre foram boas. Por justiça, é obrigatório lembrar que o candidato do PDT foi um ministro fidelíssimo ao ex-presidente, com atuação destacada no embate político do Mensalão e, mais tarde, esteve na linha de frente no combate ao golpe contra Dilma. No seu Ceará, atuou junto na eleição do governador Camilo Santana (PT).

No campo ideológico, porém, é inegável que Ciro está à direita do petismo. Seu apoio à Lava Jato, por exemplo, delimita as divergências, além de visões diferentes sobre caminhos econômicos. O PDT mesmo tem uma composição heterogênea e muitas vezes seus parlamentares votam em direção contrária às adotadas por outros partidos das esquerdas.

Se fossem iguais, é óbvio, Ciro estaria no PT. Mas não são e isso só reforça a legitimidade de candidaturas presidenciais diferentes. Mas terão que, na próxima sucessão, em algum momento somarem forças, por mais que isso desagrade membros dos dois lados.

O passado recente de Ciro, principalmente sua posição de luta contra o golpe, autoriza sua inclusão no campo democrático. Pode, a depender do analista na ocasião, ser definido como de centro ou centro-esquerda, mas sempre na área legalista e democrática. E, no cenário muito mais provável, é quase impossível que duas postulações desse campo disputem o segundo turno.

Não há tanto voto progressista assim no Brasil. A luta  mais plausível é entre um nome da direita (ou extrema-direita) e outro do PT ou Ciro. E aí caberá a palavra juízo para traçar rumos.

Vai haver muita crítica a Ciro nos próximos dias se prosperar seu entendimento com setores de direita. Mas o campo progressista, como recomenda Lula, não deve tratá-lo como inimigo.

Na outra ponta do espectro político estão o fascismo de Bolsonaro e as forças econômicas da direita convencional, que deram o golpe e querem, se legitimadas pela urna, prosseguir com  a chacina social iniciada por Temer.

Um governo legitimado por voto pode tudo em seu início e o neoliberalismo avançaria implacavelmente contra os poucos direitos e garantias sociais existentes se mantido no poder. Derrotar a direita é a prioridade.

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