Lembra daquela música antiga do sempre atual Gilberto Gil, a “Essa é pra tocar no rádio”? Pois é, com o oceano de proporções, o texto do mala aqui poderia ser chamado “Esse post é pra não ganhar like”. Toca em assunto delicado e tem tudo para não ser compreendido em tempos de intolerância e desconhecimento. Mas pensar, ao menos por enquanto, rende ao herege no máximo xingamento.
Seguinte: entendo e aceito mesmo o veto de muitas mulheres sobre a inconveniência da presença de homens na discussão do feminismo. Mas, e a adversativa aqui é prerrogativa minha, me sinto no direito de comentar uma das maiores bobagens do momento, a isca envenenada que foi mordida: o primário Marta x Neymar.
Não me desculpem. Seria fácil só achar graça nos memes, no gráfico rudimentar intelectualmente em que se comparam os ganhos e a produtividade dos dois craques. Mas discutir e apontar a bobagem de quem gostamos faz parte do dever de casa do bom amigo. Vamos pela origem: futebol feminino é apenas um primo distante do futebol que é o esporte mais popular do mundo, como sabem as muitas mulheres que entendem e ACOMPANHAM as duas versões.
Não há comparação entre o nível técnico das duas modalidades, por várias razões que não entrarei aqui para não tornar o texto mais enfadonho e longo ainda. O futebol feminino carece quase sempre de qualidade. As meninas correm, se esforçam e, principalmente, lutam com imensas dificuldades para praticar o esporte. Mas, não me desculpem mais uma vez, beira o tosco tecnicamente. Falamos aqui de esporte de alto rendimento.
Não me venham com o primário “machista” para rebater o argumento. Acho, por exemplo, que o vôlei feminino é hoje muito mais bonito que o masculino. MUITO mais. Em outros esportes, idem.
Também não vale apelar ao desconhecimento e dizer que é o machismo brasileiro que avalia o futebol feminino como deficiente em técnica. O bom jornalista Paulo Vinicius Coelho, o PVC, por exemplo, está em Dortmund a trabalho. Relata em seu blog que estava em um bar durante a partida Alemanha x China, no futebol feminino. Era o único que não estava com a mesa de costas para a TV que mostrava a disputa. A Alemanha, quem acompanha esporte sabe, reverencia suas esportistas. O mesmo pouco interesse pelo futebol das meninas ocorre em TODOS os países de primeiro mundo da bola, como Inglaterra, França, Itália, Argentina…
Não se trata de preconceito ou machismo. Apenas que não rola empurrar um produto ruim para o consumidor que está acostumado com o bom. Simples.
Até ai, porém, o problema seria pequeno. O grave é quando o feminismo sem lastro intelectual recorre a Marta (essa, no auge, poderia jogar tranquilamente entre os homens, apesar da diferença física em esporte de contato) para comparações indevidas. O feminismo no Brasil, cá entre nós, tem tarefas mais urgentes. Milhares de mulheres são estupradas anualmente, a desigualdade salarial persiste, a terceira ou quarta jornadas, a violência doméstica, a recusa que querem impor ao uso do corpo…
A diferença de espaço na mídia, o dinheiro envolvido e tudo entre futebol masculino e seu primo distante são determinados pelo interesse que um e outro despertam, pela qualidade dos protagonistas. A não ser que se queira impor gosto por decreto. Seria o mesmo, por exemplo, que exigir que um filme ruim com ator desconhecido lote as salas como um bom com Al Pacino…
Marta foi uma extraordinária jogadora de futebol, a maior de todos os tempos, Quem não a acompanhou até uns 4 anos atrás não pode sequer imaginar o que ela era em campo. Ainda é craque, mas joga menos hoje. Mas existem causas feministas mais urgentes e com respaldo no conhecimento para serem abraçadas anteontem.
Para passar a régua, um pedido de quem, mesmo não gostando do nível técnico, acompanha futebol feminino. Essas meninas jogam aqui no Brasil, em clubes, com estádios deploravelmente vazios. Já que descobriram Marta e suas companheiras tão tardiamente, que tal dar uma forcinha, largar o mouse um pouquinho e de vez em quando ir ao campo para prestigiá-las? Ou, se for impossível, que ao menos se informem sobre o que rola no esporte.
Amor fugaz não vale, ao menos no caso. Passada a Olimpíada, é bom dar o telefonema do dia seguinte. E que venha o ouro já roubado das moças na Olimpíada anterior.
Foto: Roberto Castro/ Brasil2016