O flerte de Ciro com o Partido Militar, por Luis Nassif

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Até agora, seu discurso era para uma militância cuja belicosidade ele alimenta com sua retórica inflamada.

Por Luis Nassif, compartilhado de seu Blog




Murilo Silva/CAPOL

Encontre o erro no parágrafo seguinte:

Se Ciro pretende disputar o centro-esquerda com Lula, qual a razão de insistir nas denúncias de corrupção, avalizar os procedimentos da Lava Jato? – depois de um período em que garantia que se a Lava Jato invadisse sua casa seria recebida a bala. Seria tão primário a ponto de não perceber que essa campanha lavajatista contra Lula o faria perder completamente o apoio da centro-esquerda?

O erro está no seguinte: Ciro não está falando para o público de centro-esquerda, mas para a direita militar que estava sendo preparada e, agora, emerge com o tal Projeto de Nação.

Os sinais estão claros para quem quiser ver.

Até agora, seu discurso era para uma militância cuja belicosidade ele alimenta com sua retórica inflamada. Mas Ciro é um autocrata sem chance no campo democrático, por várias razões.

A primeira é a falta de votos.

A segunda é a correlação de forças. Lula trabalha fundamentalmente para montar um arco de apoios. É a maior ou menor abrangência desse arco que permitirá avançar mais ou menos em reformas fundamentais. Ciro radicaliza. Propõe medidas (necessárias) contra a financeirização da economia, o poder dos bilionários, com propostas absolutamente inviáveis sem uma costura política cuidadosa. Antes, imaginava-se que seu antilulismo extravagante visava enrolar a terceira via e disfarçar seus projetos, bem mais radicais que os de Lula. Na live com Gregório Duvivier assegurou que a anulação dos processos contra Lula apenas conferia a ele a presunção da inocência, mas não o livrava da acusação de corrupção – tudo na mesma frase, sem a menor preocupação com a lógica..

Houve quem enxergasse em Ciro a aliança disfarçada com o bolsonarismo, já que seria impossível, com esse discurso, conquistar o público de Lula.

Engano! O público visado por Ciro – desde o início de sua campanha – é o militar, expresso no tal Projeto de Nação. E o plano dos militares não é a continuidade com Bolsonaro, mas algum evento que permita, a partir de 2022, os 15 anos de poder para preparar o país para o suposto futuro promissor. Em vários trechos, o tal Plano salienta a relevância de fugir da radicalização de esquerda e direita. Claramente pretende dissociar-se do bolsonarismo.

Assim como as propostas de Ciro, é um plano tecnocrático, que não inclui sociedade civil, movimentos, associações, partidos políticos, mercado etc.

Ambos – Ciro e o tal Plano – miram os mesmos inimigos: a intelectualidade de esquerda (que enxergam na educação e, especialmente, nas universidades) e os “globalistas”, o clube dos bilionários que, segundo o Plano, controla a mídia internacional e a local, o Poder Judiciário. Segundo o Plano, os globalistas impedem a exploração da Amazônia, usam os indígenas como álibi para impedir a expansão da agricultura e da mineração na região.

Até agora, Ciro não tinha entrado nessa seara. As críticas aos globalistas concentravam-se no seu poder na definição de políticas econômicas. No debate com Duvivier rasgou a fantasia e defendeu a mineração em terras indígenas.

Outro ponto relevante do debate foi a defesa enfática que fez de Aldo Rebelo, ex-PCdoB, que certamente teve papel central na definição deste Plano militar, especialmente na aposta do agronegócio como aliado preferencial dos militares. Desde que deixou o Ministério da Defesa, Aldo empenhou-se em cultivar relações com militares e ruralistas, montando grupos de estudo para discutir, justamente, projetos de país. E, dado seu passado político, provavelmente recebeu a incumbência de atrair quadros políticos e civis para um projeto eminentemente autoritário.

Recentemente, Ciro enveredou pelos temas morais, criticando Lula por ter defendido o aborto, o que ia contra as tradições culturais e morais do país. Não por coincidência, o Projeto militar defende o “conservadorismo evolutivo”.

 Em 2010, criticou acerbamente a “mistificação em torno do aborto”: “Os aiatolás, os talibãs e os seus afins não permitem a liberdade de imprensa, não permitem que as mulheres tenham liberdade. É isso que estamos querendo trazer para o Brasil? É violar essa conquista centenária do povo brasileiro, por oportunismo?” 

A parte mais preocupante nessa história, porque fundada em questões reais, é a aposta que o Projeto – e Ciro –  fazem na incapacidade da democracia de resolver os dilemas nacionais. E aí, Ciro e o tal Plano têm concepções idênticas: as soluções no país só sairão com mão de ferro, que se sobreponha à atoarda de interesses menores em que a democracia enredou o país.

No caso do Plano, seria um Centro de Governo (CdG) incumbido de garantir os princípios do plano, o mais relevante dos quais é a guerra ideológica na educação e, especialmente, contra as universidades e contra as regulações civilizatórias.

Mais do que nunca confirma-se que Lula é a última esperança de retorno e consolidação da democracia no país. 

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