O futuro em perigo

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Por Carlos Eduardo Alves, jornalista

Há poucos dias, li em um portal matéria que dizia que CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) virara sinônimo de ofensa entre crianças. “Você vai ser um CLT na vida”, disparam os pequenos quando querem ofender alguém da mesma faixa etária. Inicialmente, desconfiei da seriedade do conteúdo, mas depois constatei que o trabalho era sério. A única ressalva é que o texto não deixava claro qual a origem social das crianças que deram origem à reportagem, mas é factível que essa opinião perpasse todos os estratos, mesmo que não seja hegemônica de maneira avassaladora.




Há não muito tempo, o Ministério do Trabalho tentou normatizar as relações entre motoristas e empresas de aplicativos. Recuou em boa parte por causa da reação dos que hoje ganham a vida dirigindo veículos. A visão equivocada do “empreendedor” infelizmente é claramente majoritária ali. E sabe-se que motoristas de aplicativo não pertencem à casta econômica do Brasil.

O que as crianças falam da CLT ouvem de seus pais em casa. A garantia de direitos quase sempre ainda mínimos ao trabalhador hoje é interpretada por muitos como barreira para evitar a ascensão social. Triste, muito triste, mas realidade. O vale tudo entre capital e trabalho avança vertiginosamente sob o silêncio dos maiores interessados, aqueles que não pertencem à elite econômica cada vez mais predadora do País.

É, lamentavelmente, uma vitória de direita e extrema-direita. Reversível? Pode ser, a História não é uma linha reta, mas o fenômeno não é mais uma jabuticaba brasileira. Mesmo os sindicatos de trabalhadores europeus sofrem há anos com esvaziamento. É um pacote em que entram automação, esvaziamento de vagas industriais e crescimento de serviços e tecnologias, sentimento de impotência etc.

O que o setor popular pode fazer? Não sabemos. O que cabe ao governo brasileiro nessa luta? No pronunciamento do Dia do Trabalhador, o presidente Lula endossou a luta pelo fim da jornada 6×1. É um bom começo. Mas até agora, sejamos sinceros, essa meta civilizatória não empolgou a massa de trabalhadores. A análise política responsável não recomenda assinar o atestado de óbito dos que advogam o fim da jornada ultrajante, mas os sinais da falta de rua são de fato preocupantes.

Não há solução mágica para enfrentar a situação e, sim, batalhar para levar adiante o fim da jornada 6 x 1 é o caminho mais imediato e razoável nesse embate cultural-trabalhista-político. É preciso ponderar, porém, que ao mesmo tempo em que se tente jogar tudo nessa âncora se faça um reflexão mais profunda.

Não existe mais aquela classe trabalhadora do início do século passado e em que se basearam as forças de esquerda. Tampouco os sindicatos de hoje têm a força que detinham há até uns 30 anos atrás. Os empregos industriais de qualidade minguam. O filho do metalúrgico do ABC das décadas de 80 e 90 não tem vaga naqueles empregos do velho.

O lugar foi ocupado pela automação e muitas vezes o filho do metalúrgico hoje aposentado se vira como motorista de aplicativo, por exemplo. Esse caminho não tem volta. É um enorme desafio descobrir como buscar a adesão desse pessoal para a luta coletiva, mas antes de tudo é preciso reconhecer o óbvio: o mundo mudou, gostemos ou não.

Tem gente na esquerda que ainda não percebeu a emergência dessa nova classe trabalhadora. No primeiro de maio agora, estava na rua e por acaso vi uma passeata de organizações de ultra-esquerda. As palavras de ordem eram dissociadas da realidade, um autêntico e quase doentio passeio no delírio. Odes à tomada de fábricas, enfrentamento com armas, gritos de “socialismo já”…

Enquanto isso, nossas crianças demonizam a velha e boa CLT. Não é com devaneios que superaremos essa fase terrível. E o fim da jornada 6 x 1 é uma oportunidade rara para tornar factível e inteligível a demonstração de que existe sim uma nova classe trabalhadora, mas que ela, assim como a que a antecedeu, continua sendo explorada pelos donos do capital.

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