O gênio desconhecido do sul: Lúcio Yanel

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Por Luis Nassif, Jornal GGN – 

Yamandu já tinha comentado de passagem sobre Lúcio Yanel quando indaguei a razão do seu sotaque argentino. Mas, agora, em Poços de Caldas, o Gabriel Savage me traz mais dados.




No sarau de ontem à noite, Gabriel interpretou várias peças de Yanel. Uma delas, “Pantanal” nada fica a dever aos Estudos de Villa-Lobos. A variedade de sons, de modos de tocar que Yanel criou e Gabriel arrancou do violão – especialmente o modo pampaneiro de tocar -, repito: nada fica a dever aos Estudos de Villa-Lobos, que mudaram a forma de tocar do violão no século 20. Dê-se o devido desconto histórico, é claro, e a dimensão de um (o mundo) e do outro (o sul).

Digo mais: dentro de alguns anos a contribuição de Yanel ao violão será reconhecida como das maiores, um gênio comparável a Garoto e aos grandes formadores do violão brasileiro, por um conjunto de razões: ele como intérprete, como compositor mas, principalmente, como formador da mais nova escola e brilhante escola intrumental do país: a gaúcha, ou pampaneira, para usar o termo que eles gostam.

Semanas atrás coloquei, aqui, vídeo do Yamandu em duo com Arthur Bonilha, ambos valendo-se do mesmo estilo ensinado por Yanel. O que se assistia eram dois violonistas tocando de igual para igual. Dois violonistas sempre podem tocar de igual para igual, mas quando um deles é Yamandu e, de repente, você se depara com dois Yamandu, é milagre. Aí você ouve Gabriel Selvage, e três milagres na mesma região exigem um santo protetor.
Infelizmente Bonilha faleceu em maio, em acidente automobilístico, aos 34 anos de idade.

E aí entramos na história de Yanel e do novo fenômeno da música instrumental brasileira, os gaúchos e seu som pampaneiro.
Gabriel nasceu no campo. Desde criança, criava cavalos. Mantem o hábito da bombacha, que não tirou nem quando excursionou pela Europa. Aos 12 anos ganhou um revólver, que mantinha na cabeceira da cama, para se prevenir contra a violência da região onde morava. Ele narrando os acertos de contas por lá ajuda a entender a razão da violência ancestral brasileira, aliás. O interior gaúcho ainda guarda a herança de violência dos Farrapos

Aos 14 anos vou trabalhar fora de casa, cuidando de cavalos.

Passou a aprender violão e decidiu ter aulas com Yanel. Da sua casa até a cidade onde Yanel morava, na grande Porto Alegre, eram 400 km. Ele viajava de ônibus o dia todo, tinha as aulas e, quando perdia o ônibus de volta, dormia na casa do mestre

As aulas consistiam em vê-lo tocando e pedir-lhe que ensinasse na prática seu modo de tocar. Yanel não lê partituras, não tem a menor ideia sobre as notas. É um gênio intuitivo em estado puro.
Sua vinda ao Brasil é uma epopeia.

Nos anos 70 foi excursionar pela Rússia, uma série de concertos de músicos latino-americanos, dentre os quais muitos brasileiros. Encantou-se com a música do país e, na volta, decidiu parar no Recife

Acabou voltando para a Argentina, mas os sons do Brasil já o haviam capturado. Decidiu radicar-se em São Paulo. Aproveitando sua vinda para o Brasil, um amigo pediu-lhe que passasse por Porto Alegre para entregar umas partituras para um amigo que morava lá

O amigo, em questão, tinha um filho de dois anos, de nome Yamandu, e pronúncia Diamandu.

Yanel entregou, estava tarde e acabou dormindo na casa. De manhã, a mãe de Yamandu acordou e se surpreendeu com o violão que jorrava da sala. Imediatamente acordou o marido para informar que o visitante era um gênio do violão.

Nunca mais o deixaram sair. Yanel se fixou por lá, em uma cidade próxima a Porto Alegre e passou a inundar o fechado mundo gaúcho com sua arte.

Ajudou a formar uma das mais brilhantes gerações de violonistas do país – a julgar pelos três que conheci, Yamandu, Bonilha e Gabriel.

Há alguns anos mudou-se para Caxias. Mora de aluguel, vive de aulas e tocando em botecos.

Já entrei em contato com ele para montarmos uma noite paulista-gaúcha em São Paulo, para apresentar essa brilhante geração aos paulistas. O prefeito Fortunati, de Porto Alegre, topou. Nos próximos dias tentarei que o Danilo, do Sesc, ajude a montar o lado paulista.

Aí se verá ao vivo alguém que, ainda em vida, já é uma lenda.

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