O Globo em nome da coerência, precisa ser transparente

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Presente de Ano Novo de O Globo e da Prefeitura Municipal do Rio aos assinantes do jornal.
Presente de Ano Novo de O Globo e da Prefeitura Municipal do Rio aos assinantes do jornal.

Nas edições do dia 1 e 2 de janeiro de 2016, os cerca de 170 mil assinantes de O Globo (dados de julho, quando a tiragem do jornal foi de 193 mil) receberam seus exemplares envoltos em uma cinta, em papel branco, de boa qualidade. Nada de mais, caso a publicidade não fosse de um ente público: a Prefeitura do Rio de Janeiro.




A população do Rio, como o próprio jornal tem anunciado em diversas reportagens, vive as consequências de uma grave crise financeira que afeta diretamente o atendimento nos hospitais, a merenda escolar quando do período de aulas e coloca em risco a própria conclusão de obras importantes para os Jogos Olímpicos – o xodó do prefeito Eduardo Paes -, como a linha de metrô para a Barra. Tudo por conta das deficiências de arrecadação do Governo do Estado.

Curiosamente, como se verá abaixo, no editorial de 13 de dezembro, O Globo pregou  a transparência dos gastos públicos por parte dos municípios. Este, sem dúvida, é um gasto que pode ser considerado duvidoso: o anúncio fala que o ano de 2016 veio para ficar – tema da festa de Réveillon na cidade. Apresenta alguma obras que Paes fez ou está em fase de conclusão. Na verdade, a publicidade é visa muito mais a campanha política de outubro, quando o prefeito tentará fazer seu sucessor, do que o interesse maior da população em si.

O que se questiona é se a empresa Infoglobo, para ser coerente com o editorial do dia 13 de dezembro, se dispõe a dar o exemplo e declarar quanto custou e como foi paga esta publicidade?

O anúncio não beneficiou o concorrente de O Globo, o jornal O DIA. Ao que parece foi uma publicidade dirigida. E ela acontece em dois dias atípicos, quando mesmo os assinantes dão pouca importância aos jornais, até por estarem possivelmente viajando.

Cinta encartada na edição do jornal O Globo de 1 de janeiro de 2016. Quem paga este custo?
Cinta encartada na edição do jornal O Globo de 1 de janeiro de 2016. Quem paga este custo?

Dirigida apenas aos assinantes, a propaganda atingirá, na melhor das hipóteses. 850 mil leitores, admitindo-se, por alto uma média de cinco pessoas lendo cada exemplar. Como muitos assinantes do jornal moram em outros municípios, o público alvo na cidade do Rio de Janeiro será ainda menor. A população do município é de 6.476.631 (segundo o portal meumunicípio.org.br). Logo, mesmo se considerássemos como 850 mil leitores na cidade, apenas 13%  dos munícipes serão atingidos.

Pode-se considerar que esta é apenas o início das despesas que a prefeitura, em ano de campanha eleitoral, gastará com publicidade e propaganda. Aproveitará o mote dos Jogos Olímpicos, mas estará de olho na sucessão municipal.

Em 2015, segundo uma reportagem publicada dia 28 de dezembro pela Folha de S. Paulo – Paes gasta com propaganda o dobro do valor despendido pelo governo do RJ – os gastos nesta rubrica totalizaram R$ 107,2 milhões. Já o governador Luiz Fernando Pezão gastou R$ 57,6 milhões.

Do total dispendido por Paes, pelos dados do portal RioTranspartente, R$ 8.822.263,34  (8,22% do gasto) foram destinado à empresa Infoglobo Comunicação e Participação S.A., editora dos jornais O Globo, Extra e Expresso. Estas despesas se concentraram na Empresa de Turismo do Municipio – Riotur, que respondeu por R$ 7,1 milhões. A  maior parte deste valor destinado a Promoção e Venda do Produto Rio de Janeiro. Curioso é vender o turismo da cidade em jornal de circulação local, principalmente quando, segundo dados existentes, o maior número de visitantes de outros estados parte do interior de São Paulo.

Na busca no Portal de Transparência não se encontra pagamentos a jornais como O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Mesmo ao concorrente de O Globo, o pagamento registrado, estranhamente, é ínfimo: R$ 2.395,20 (dois mil, trezentos e noventa e cinco reais). Nada mais aparece em nome da Editoria O Dia, nem da empresa EJESA – Empresa Jornalística Econômico, que mantém a publicação. Também não se localizou despesas em nome da TV Globo, Rede Globo ou Globo Participações – Globopar. Da mesma forma, não há registro para Rádio Globo ou Sistema Globo de Rádio.

Certamente os defensores da publicidade paga com dinheiro público – não há, aparentemente, nenhuma coparticipação no anúncio – defenderão que a crise financeira não é do município, mas do Estado, comandado por Pezão. Lembrarão ainda que Paes adiantou R$ 100 milhões ao governo estadual para socorrer a saúde pública, que estava falida.

Manchetes do próprio O Globo revelam a crise financeira que atinge cariocas e fluminenses de uma maneira em geral.
Manchetes do próprio O Globo revelam a crise financeira que atinge cariocas e fluminenses de uma maneira em geral.

Sendo do Estado ou da Prefeitura, a crise, como o próprio jornal cansou de publicar nos últimos dias (veja manchetes na foto ao lado), afeta a cariocas e fluminenses de uma maneira em geral. A elas não interessa de onde vem o dinheiro, mas sim que os serviços básicos lhes sejam oferecidos, ainda mais em momento de crise financeira e de desemprego.

Sem falar que tanto o governo de Paes tem o apoio de Pezão, como este apóia o prefeito. Os dois, por sua vez, junto com a família Picciani, que controla a Assembleia Legislativa do Rio, unem forças na defesa da presidente Dilma Rousseff. Logo, todos apoiam todos e todos deveriam jogar em um mesmo time, em parceria, não em jogadas individuais. E esta parece ser uma jogada meramente individual do prefeito que sonha alçar vôos maiores, como se candidatar à sucessão de Dilma pelo PMDB. Para isso, precisa emplacar seu sucessor.

Não me cabe, como jornalista, avaliar o retorno que esta publicidade poderá trazer não ao prefeito, mas à cidade em si. Deixo esta tarefa aos publicitários. Lembro apenas que o slogan da cinta colocada nas duas edições do jornal foi o mesmo usado na festa do Réveillon da cidade na noite do dia 31 de dezembro. O alcance ali foi muito maior, ao atingir cerca de duas milhões de pessoas que passaram apenas na praia de Copacabana. Fora outras festas espalhadas em outros bairros.

Logo, queira-se ou não, temos um gasto duvidoso com retorno ainda mais duvidoso para a cidade em si. Isto, repita-se, em um estado que vive necessidades básicas, como os hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) paradas ou atendendo mal, por falta de salário dos médicos, de repasse das verbas às Organizações Sociais que cuidam delas – pois o serviço foi terceirizado.Cabe, portanto, a pergunta: é válida uma despesa dessas em um momento de crise? O retorno que esta publicidade trará, compensará o gasto que poderia ser aplicado até mesmo nas obras que o município faz para receber os Jogos Olímpicos? Não terá sido muito mais uma publicidade com fins eleitoreiros?

Vale aqui transcrever um trecho da matéria “Hora de entregar projetos, apesar da crise”, publicada dia 1 de janeiro, em O Globo, sobre os desafios do Rio para 2016:

“Porém, antes dos Jogos e do término das obras olímpicas, o governo estadual terá de superar a crise financeira que atingiu o Rio de Janeiro em 2015 e que revelou sua face mais cruel na área de saúde. Sem previsão concreta de aumento nas receitas, o Palácio Guanabara precisará encontrar alternativas rapidamente e cortar gastos, alertam especialistas em administração pública. 

— Após as Olimpíadas, haverá uma forte queda nos investimentos. Tudo indica que o fluxo de receitas se manterá tão ruim quanto em 2015. O que poderá dar uma sobrevida é a obtenção de de uma boa operação de crédito junto ao governo federal. Mas isso não vai resolver os problemas, será preciso fazer mais — afirma Pedro Jucá Maciel, que tem pós-doutorado em economia pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

Na área de saúde, além da necessidade de melhorar a gestão da rede pública, o Rio necessita de uma grande e urgente mobilização (grifei) para o combate ao mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão da dengue, da chikungunya e do zika vírus. Um outro desafio é dar a volta por cima na educação, que, no ano recém-encerrado, foi marcada por escolas e universidades fechadas por falta de recursos e professores em greve.

Por fim, um desejo une a favela e o asfalto: paz. Para encontrá-la, destacam especialistas em segurança pública, é preciso dar um novo fôlego ao programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)”.

Como se vê, os desafios listados pelo próprio jornal são muitos e dependem, como diz a reportagem, de uma ampla mobilização. Ela inclui, por óbvio, os prefeitos dos municípios do Estado, em especial o da capital. Inclusive na questão das UPPS que, como tem batido insistentemente o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, não pode ser vista como mera questão policial. Precisa de ações sociais, a cargo da prefeitura. Por isso, o dinheiro gasto por Paes deve ser controlado pela sociedade, como o próprio jornal defendeu editorial postado dia 13 de dezembro.

Em editorial, dia 13 de dezembro, o jornal  defendeu a pressão da sociedade sobre os prefeitos para se saber o que é feito do dinheiro público. E vaticinou: "Sem transparência não se pode pensar em combater a corrupção". Chegou a hora dele ser transparente e mostrar quanto a Prefeitura do Rio pagou.
Em editorial, dia 13 de dezembro, o jornal defendeu a pressão da sociedade sobre os prefeitos para se saber o que é feito do dinheiro público. E vaticinou: “Sem transparência não se pode pensar em combater a corrupção”. Chegou a hora dele ser transparente e mostrar quanto a Prefeitura do Rio pagou.

No editorial (veja ao lado) ele incita os munícipes a cobrarem dos políticos e executivos municipais as despesas com dinheiro público. Diz ali:

Nem por isso, porém, a tendência a ocultar dados sobre a máquina mantida pelo contribuinte deve ser considerada parte imutável da natureza brasileira. A sociedade precisa pressionar, a exemplo do que está fazendo o MPF; de início, a instituição negocia extrajudicialmente com as prefeituras para que elas adotem medidas para facilitar o acesso às informações (…) Sem a transparência, não se pode pensar em combate à corrupção, mal que os brasileiros não suportam mais, e um dos que estão no cerne da crise que devasta o país“.

Não apenas a corrupção devasta o país, mas também troca de favores. Com relação às mídias, de uma maneira em geral, isto se dá com a prática de dinheiro público alimentando anúncios nem sempre necessários. Curiosamente, jornais e colunistas da grande imprensa costumam classificar blogs e mídias da internet como chapa branca por receberem anúncios governamentais e de empresas estatais. Não olham o próprio umbigo, pois grandes conglomerados de comunicação – cuja existência, por si só, já é uma aberração – detêm a maior parte destas verbas, com anúncios com retorno muitas vezes é duvidoso. Como no caso da edição de hoje de O Globo.

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