Por Emir Sader, Brasil 247 –
Para quem tinha na coordenação da mesa em que participou em Harvard uma professora que questionava que tivesse havido um golpe no Brasil, Dilma Rousseff já começou mostrando que vinha com toda a disposição de defender suas posições logo de cara:
“O impeachment que desprezou 54,5 milhões de votos e feriu a Constituição de 1988 foi um golpe parlamentar, pois ocorreu sem crime de responsabilidade.”
Diante de uma sala lotada praticamente apenas de estudantes brasileiros, tendo na primeira fila Gilberto Gil, Fernando Haddad, Eduardo Suplicy, Dilma se sentiu em casa e foi interrompida várias vezes por aplausos e aplaudida de pé ao final.
Analisou o golpe também na perspectiva da legislação norte-americana: “Se nos EUA um presidente tiver um impeachment decidido pelo Senado, mesmo tendo sido seguido um processo previsto na constituição, mas sem um ato que pudesse ser qualificado como um “high crime”, isso seria legítimo? Isso não seria um golpe na constituição americana?”
Dilma discorreu sobre a falácia jurídica, política e econômica dos argumentos golpistas, desembocando no diagnóstico de que o país está hoje muito pior no plano político, com a quebra da democracia, economicamente, porque mergulhado numa profunda depressão, e socialmente, porque voltando a ser um país profundamente injusto.
“A democracia está sendo corroída pelo Estado de Exceção. O resultado do retrocesso se traduz em mais desigualdade. Tal modelo não tem como conviver com a plenitude do Estado Democrático de Direito.”
Nesse momento faz a articulação essencial e contemporânea entre o Estado de Exceção e o neoliberalismo: “A interrupção da normalidade democrática e o caminhar rumo ao Estado de Exceção são as bases para a retomada do neoliberalismo.”
Principal liderança na luta democrática no Brasil, Dilma aponta para o futuro imediato: “Se o golpe destruiu o presente do Brasil, cabe a nós lutar pelo futuro. A saída não é a insensatez golpista, mas a participação popular… A saída passa pela realização de eleições diretas para presidente, este encontro já marcado com a democracia que temos em 2018.”
Sua trajetória pontua muitas vezes suas posições: “Vivi dois golpes, em épocas distintas, com características distintas. Ditadura x democracia… Não vamos nos iludir… A transição que nos interessa só pode ocorrer com eleições livres, seja quem for que ganhe. O processo democrático tem o poder e a faculdade de propor um encerramento com um pacto, se for uma eleição que não implique um golpe, o que seria o caso se tirassem Lula do pleito. É só aí que nós, brasileiros, que estamos hoje divididos, poderemos nos reencontrar, novamente todos.”
E concluiu com o que tem sido o seu bordão mais forte: “Nós sabemos que a democracia é o lado certo da história”, em meio a prolongados aplausos de pé de todo o público presente.
Nas perguntas, aflorou o desencontro entre a ideologia dominante diante dos conflitos contemporâneos, com a expectativa toda centrada no “diálogos”, que norteia todo o evento organizado em Harvard. Juntar pessoas com posição frontalmente distintas tem nao apenas o objetivo de expor os pontos de vista contraditórios delas, mas de mostrar que, do diálogo, pode surgir alguma forma de entendimento.
Dilma fez uma dura crítica dessa visão que desconhece, mais além das visões, os interesses contrapostos de cada campo, se opôs a uma visão de que a democracia é simplesmente a exposição de pontos de vista diferentes lado a lado. Sua profunda convicção democrática a fez expor com vigor como a democracia significa instituições democráticas, práticas democráticas, processos democráticos em que convivem a diversidade de pontos de vista e de interesses, mas confrontados com a decisiva participação popular, que se consubstancia no voto popular, na soberania popular.
A coordenadora não se atreveu, diante dos vigorosos argumentos da Dilma, a retomar sua posição de que não teria havido um golpe no Brasil. As perguntas permitiram a Dilma discorrer mais amplamente sobre as perspectivas de futuro, os planos da direita contra Lula e para que ela se esquivasse do que chamou de “pegadinhas”, as perguntas de algibeira, que queriam que ela se espraiasse em poucos minutos sobre temas polêmicos.
Logo depois Dilma deu entrevista ao novo correspondente do New York Times no Brasil, um jovem jornalista colombiano. Na entrada da sala de conferências, na saída, no hotel, em todos os lados, se expressa, mais que o apoio, o amor que os brasileiros têm por Dilma, em que o abraço emocionado representa a força que tratam de receber dela e que buscam, ao mesmo tempo, transmitir a ela.
O próximo passo da viagem será a Universidade de Brown, próxima de Boston, antes da ida a Nova York, que se inicia com conferência na Universidade de Columbia.