A Câmara ainda está tentando salvar o mandato de um deputado acusado de golpe, enquanto se esforça para cassar o mandato de um deputado que deu safanões no ativista de extrema direita que o provocou.
Por Moisés Mendes, compartilhado de seu Blog
Alexandre Ramagem (PL), o protegido, atentou contra as instituições, a democracia e um presidente eleito. Glauber Braga (PSOL) atentou contra um extremista que foi desafiá-lo para uma briga na Câmara.
Por que os dois casos, tão diferentes e tão distantes em seus efeitos e suas gravidades, têm tratamentos distintos? Porque a Câmara precisa proteger não só Ramagem, mas toda a direita no Congresso e livrar-se de Glauber para que sirva de exemplo de que ninguém deve mexer com o novo fascismo.
A tentativa frustrada de criar uma trincheira para Ramagem, questionando o andamento do processo contra ele no Supremo, teve o apoio de 315 dos 513 deputados. Não foi a extrema direita que tentou proteger os golpistas para erguer barreiras em torno de todos os ameaçados de processos no STF, e não só Ramagem.
Foram 61% dos deputados, os dois terços dominados pelo amplo leque da direita. São os antigos 300 picaretas, assim definidos um dia por Lula, que são hoje bem mais do que homens com mandatos dedicados a picaretagens.
São parte das facções empenhadas em sabotar o governo, saquear o orçamento com emendas, buscar desesperadamente uma alternativa para 2026 e impedir que o Supremo faça o que tem de fazer, julgando golpistas.
A Câmara que articula a cassação de Glauber, por um delito que envolve um adversário político, é a mesma que protege Ramagem dos crimes contra mais da metade da população que elegeu Lula.
No primeiro caso, a ‘vítima’ processada pela mais alta Corte do país é um golpista. No segundo, o democrata processado pelos próprios colegas é acusado por ter agredido um aliado dos golpistas.
Não há o que fazer, considerando-se que os 300 que um dia foram picaretas, todos paladinos das liberdades, são hoje aliados do extremismo, mesmo que fantasiados de outra coisa, alguns até com adereços de centristas.
Noticiam que Hugo Motta, o estagiário que chegou à presidência da Câmara com as bênçãos de Arthur Lira, vai reagir à decisão do STF de manter Ramagem como réu. Pedirá que o julgamento do caso, já examinado pela primeira turma, chegue ao pleno do tribunal.
O resultado pode ser nove a dois, como tem sido, mas eles vão continuar esperneando. Para quê? Para manter as hienas, onde estiverem, unidas e espertas. Podem não conseguir nada, mas vão ganhando tempo e mantendo o conflito com o Supremo.
Ramagem sabe que ninguém o defenderia por sua relevância para o Congresso e que a afronta ao STF é uma tática de defesa de toda a direita sob ameaça permanente de um dia ser alcançada pela Justiça.
Todos sabem que o cerco do ministro Flavio Dino aos emendistas desviadores de verbas secretas segue em frente. E que o próximo pode ser um deles.
Lula deve ter saudade do tempo em que dois terços do Congresso eram formados por figuras que podiam ser definidas genericamente como picaretas.