“O Homem Cordial” chega à 3ª semana em cartaz. Corre!

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Principalmente depois da pandemia, não é muito fácil um filme encarar uma terceira semana em cartaz. Brasileiro, então, mais difícil ainda. Assim, é mais que bem-vinda a permanência nos cinemas de “O Homem Cordial”, trabalho forte e urgente do diretor Iberê Carvalho (o mesmo do também ótimo “O Último Cine Drive-in”), que levanta questões primordiais e estruturais que têm abalado nosso país.

Por Celso Sabadin, compartilhado de Planeta Tela




O roteiro de Pablo Stoll e do próprio diretor coloca no olho do furacão o vigoroso personagem Aurélio (Paulo Miklos, perfeito para o papel), vocalista de uma banda de rock que andava esquecida, mas que prepara seu retorno aos palcos. Os planos do grupo, porém, são profundamente abalados quando Aurélio se envolve numa pequena confusão de rua, um mal-entendido que supostamente não teria maiores consequências, não fosse o clima de ódio que perpassa o Brasil dos últimos anos.

Um dos grandes méritos do filme é não deixar claro – em seus momentos iniciais – o que exatamente teria acontecido.  O espectador é convidado a compartilhar apenas o ponto de vista de um trepidante celular que registra o entrevero com toda a imperfeição possível. Tais meias imagens, meios sons e meias verdades inflamam-se imediatamente pelas redes sociais e pelos grandes veículos de comunicação que, intensamente abastecidos pela devoradora cultura do julgamento sumário, do cancelamento e do sensacionalismo, tornam a vida de Aurélio um inferno real e imediato.

Tomando emprestado o conceito do “homem cordial”, desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda em seu livro “Raízes do Brasil” (1936), o longa é incisivo e ferino na denúncia das irresponsabilidades e preconceitos raciais dos brasileiros. E sem cair nas armadilhas panfletárias que o tema facilmente poderia propor.

“As redes sociais são o ambiente perfeito para que ocorra o efeito manada, ou seja, quando um grupo de indivíduos segue a opinião ou ação de outros de forma irracional, sem analisar os fatos e fundamentos. No filme, vemos como cada comentário, cada postagem, cada curtida ou compartilhamento em uma fake news tem um impacto direto na vida de alguém no mundo real. E esse impacto se potencializa dependendo de que grupo social ou étnico você pertence”, explica o diretor Iberê Carvalho.

O fato de Carvalho ser sociólogo de formação até poderia ter arrastado “O Homem Cordial” pelos caminhos da tese e do discurso verbal, tão constantes no nosso audiovisual. O que – felizmente, não aconteceu. Nem de longe. Com fluência e criatividade, a câmera de Carvalho faz a intrigante opção de eleger diferentes protagonistas ao longo da narrativa, para neles se centralizar, alternadamente, deixando fora de campo elementos que normalmente comporiam o quadro. O resultado, fora do padrão, ajuda a sublinhar a inquietação do tema, ao mesmo tempo em que direciona os olhares do público para os diferentes protagonismos que a trama propicia. Culminando (e isso não é spoiler) com o desfecho do caso através de sua principal vítima.

Corroteirtista, o uruguaio Pablo Stoll (do ótimo “Whisky”), afirma que desde o início a ideia era fazer um filme sobre o crescimento do discurso de ódio na sociedade. Ele e Camargo tinham uma versão do roteiro praticamente pronta, quando surgiu um vídeo de Chico Buarque de Holanda assediado em um restaurante. “Jogamos fora o outro roteiro e começamos a escrever um novo, baseado na jornada de uma noite de um ‘homem cordial’ que não consegue acreditar no que sua cidade, seu país, se tornou”, diz Stoll.

De forma totalmente inadvertida, pai e filho Buarque de Holanda acabaram se transformando no alicerce do longa.

“O Homem Cordial” ganhou os prêmios de melhor filme e melhor ator (Paulo Miklos) no Festival de Cinema Independente de Barcelona, e de melhor trilha musical e – novamente – melhor ator em Gramado.

Corre pra ver antes que acabe a terceira semana!

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