O idiota do tratorzão

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista – 

Aquele tipo que se julga dono do mundo vem com seu tratorzão ocupando as duas pistas da via. Ele não é dono do mundo? Natural que ocupe as duas pistas: três ou quatro, se houver. São todas dele, o cuzão do dono do mundo. Dá seta pra direita, mas entra à esquerda, no posto de combustível.  Ele pode (ao menos imagina que pode) fazer o que bem entender, como se fosse Luís XIV, com o reinado mais longo da história européia (72 anos), o mais longo conhecido da história da humanidade. O “Rei Sol”.

Mas o cuzão não tem a mínima ideia de quem foi Luís XIV, não sabe quem foi o “Rei Sol”, não tem a mais remota ideia de que é só mais um idiota, em a uma multidão crescente de lobotomizados. Paro em paralelo, na bomba ao lado. Ele abre a porta do tratorzão, com os ares de dono do mundo e se queixa: “Tá caro, difícil encher o tanque prá botar comida na mesa pra vocês”. Votou no “mito” e agora está reclamando.
Como sei que votou no mito? Respondo com outra pergunta: “Em quem mais esse idiota votaria?” Diz isso dirigindo-se aos garotos frentistas. Provoco um deles: “O chefão tá falando com vocês”. Ele entende o humor e me devolve em meio a um sorriso: “Não votei em ninguém”.
Entendo. Mas não me vejo com liberdade de discordar dele. Do outro lado das bombas, mando, telepaticamente, ele enfiar a comida que diz “colocar na mesa pra vocês”, naquele lugar que vocês podem imaginar: no cuzão dele, ignorante, tapado fascista. Isso foi ontem, quando ele foi abastecer o tratorzão.
Hoje, o combustível aumentou mais uma vez. O terceiro aumento, a que a mídia se refere como “reajuste”, nos 40 dias deste malfadado 2021 que muita gente (desprovida de imaginação) torcia para chegar logo.
Meu propósito é garantir minha própria água potável (do lençol freático, de maneira equilibrada, não abrindo poços artesianos, que demoram décadas para serem reabastecidos) resolver o tratamento de esgotos num sistema simples que inclui fossas sépticas e devolve ao solo todo o fósforo que, de outra maneira, iria parar nos rios.
E também minha própria energia, com o sistema fotovoltaico que a produção massiva da China barateou surpreendentemente. A energia fotovoltaica é um dos muitos subprodutos da era espacial. Ela é a fonte de suprimento para missões espaciais que vão até Marte, devido à proximidade do Sol. São baratas, inteligentes e ecológicas. Evitam os reatores nucleares a plutônio que abastecem missões para mundos distantes, como Júpiter, Saturno e mais além. S
e o foguete de uma dessas missões explode, na fase de lançamento, contamina imensas áreas da Terra, daí o cuidado e a cautela que envolvem. Por mim os rios ficam livres de estancamento para hidrelétricas que apagam belas quedas d’água, como se nunca tivessem existido, e alimentam a voraz indústria da corrupção que chegou por aqui com uma caravela desconhecida, antes do 1500 formalizado por Cabral, gajo desconhecido que veio carimbar o descobrindo trazendo em sua frota galeões.
Por que uma frota de descobrimento incluiria galeões, navios pesados, de transporte de mercadorias, em vez de caravelas: rápidas, esquivas, velozes, com calado baixo (porção que fica abaixo da linha d’água) típica para exploração, capazes de penetrar facilidade a foz de rios, como fizeram em todo o costeamento da África?
Porque Cabral fez uma missão burocrática, formal. Portugal sabia da existência de terras que os espanhóis ignoravam, daí o sucesso do Tratado de Tordesilhas, em 1494, quando os portugueses deram um chapelaço nos espanhóis. Daí também os portugueses não terem dado ouvidos a Cristóvão Colombo, que se confundiu com o valor do grau, e chegou às Índias que eram a América.
Sem desmerecimento de Colombo, que foi um exímio navegador. Para quem se interessar por ele, sugiro a fascinante leitura de seus diários do bordo, incluindo o pedido de permissão ao papa para penetrar na foz do Orinoco, em que ele enxergou a imagem do Paraíso. Colombo e seus controvertidos diários, em que o falso era o mais verdadeiro, decorrente da subestimação do valor do grau.
Cheguei a Cristóvão Colombo a partir da observação do comportamento de um cuzão dirigindo seu tratorzão como se fosse o dono do mundo. Um ignorante, um idiota, um pretensioso, ao contrário de Colombo em sua refinada sensibilidade de navegador.
Colombo que pode ter se apaixonado por Isabela, a rainha católica, esposa de Fernando, o católico, que fizeram da Espanha um suplício para os hereges, aqueles todos que não se conformavam com a visão de mundo de uma igreja sanguinária, despótica, assassina justaposta à visão de Aristóteles, o “Estagirita” no que ele se equivocou.
Alguém já disse que “Aristóteles foi atirado pela janela, mas, quando menos esperamos, lá vem ele entrando pela porta mais uma vez”. Um exemplo disso? O conceito de gravitação, da “tendência das coisas pesadas caírem para o centro do mundo”, que Isaac Newton reinterpretou como matéria atraindo matéria na razão direta das massas e no inverso do quadrado da distância. E que, Einstein, em 1915, simplificou, ou tornou mais complexo: a curvatura da estrutura do espaço-tempo.
O idiota do tratorzão, quem deu início a toda essa conversa, não tem a mínima ideia de nada disso. Se tivesse, não teria dito o que disse. Mas isso significa dizer que, pacientemente explorado, mesmo um idiota pode ter alguma utilidade.
Imagem da capa: Santa Maria, Pinta e Niña, os três barcos da frota de Colombo no descobrimento da América, em 1492.

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