Todos nós, jornalistas modernos, somos de alguma forma filhos do editor inglês William T. Stead (1849-1912). No final do século 19, Stead inventou o que se conhece hoje por “jornalismo investigativo” em publicações como “The Pall Mall Gazette” e “Review of the Reviews”.
Como jornalista, ele promoveu cruzadas de grande repercussão contra doenças sociais como a prostituição infantil. Num caso que chocou a Inglaterra vitoriana, ele mostrou que era possível comprar por 5 libras uma garota de família humilde e colocá-la em bordéis. Por causa dessa reportagem, a idade mínima para o sexo consentido na Inglaterra mudou de 13 para 16 anos.
Foi também o primeiro editor inglês a colocar uma entrevista nas páginas de um jornal.
Num artigo, ele mostrou a hipocrisia que havia por trás da condenação de Oscar Wilde, em 1895, pela prática de sodomia. Stead notou que, se em vez de seduzir moços, Wilde tivesse colecionado moças, “e assim gerado filhos bastardos desajustados”, ele seria celebrado e não condenado.
Stead, com seu inovador “jornalismo de ação”, foi uma inspiração para o homem que mais que ninguém representa a imagem histórica do chamado magnata da mídia, o americano William Randolph Hearst, que serviu de base para o clássico do cinema Cidadão Kane, de Orson Welles.
Stead sustentava que o editor era “a maior força da política”. Ele acreditava nas virtudes do “governo pelo jornalismo”. Segundo ele, os jornalistas poderiam aplicar “um estimulante ou um narcótico” na mente dos leitores e com isso moldar, ou manipular, a opinião pública. “O primeiro dever de todo homem de verdade, se ele acredita que a opinião pública está equivocada, é tentar mudá-la”, dizia.
Messiânico, achava que a imprensa tinha mais condições de promover o bem público do que o Estado. O editor, para ele, tinha que ser tão capaz quanto um “primeiro-ministro”. Sua fé na imprensa era total. “Um homem sem jornal é um ser pela metade, despreparado para a batalha da vida”, escreveu ele num ensaio sobre o futuro do jornalismo.
É muito provável que Roberto Marinho em seus mais de 90 anos de existência jamais tenha ouvido falar de Stead. Mas foi ele quem mais incorporou, no Brasil, os atributos de influência que Stead enxergava no jornalismo.
O mundo visualizado por Stead, em que o paraíso poderia ser alcançado caso seguidas as orientações de editores como ele próprio, só começou a desmoronar com a emergência da internet, quase 100 anos depois de sua morte. A internet, ao dar voz e influência às multidões, mitigou o poder do estimulante e do narcótico dos editores.
Um intelectual dos tempos de Stead definiu-o assim: “Nele havia uma mistura rara de força intelectual com convicção moral, idealismo com o utilitarismo, imaginação viril e praticidade – e tudo isso fez sua visão se traduzir em realidade. Determinação sem limites, coragem moral soberba e energia incansável marcaram toda a sua carreira jornalística.”
Cabe aos jornalistas, dizia Stead, “dar profundidade ao inarticulado gemido daqueles que não têm voz”. “Um jornal, nesse sentido, é um apóstolo diário da fraternidade, um mensageiro que traz boas novas para os que jazem nas trevas e na sombra.”
Stead era escritor, além de jornalista. Renascentista nos interesses, dedicou os últimos anos da vida a pesquisas psíquicas. Lutou pela paz tenazmente num movimento chamado “Guerra contra a Guerra”. Foi indicado para o Nobel da Paz algumas vezes, e era dado como quase certo que o ganharia finalmente em 1912.
Mas neste ano ele embarcou rumo aos Estados Unidos no Titanic. Os relatos sobre sua conduta no Titanic atestam sua generosidade e bravura. Stead ajudou a embarcar crianças, mulheres e velhos nos botes. Quando o último bote partiu, ele foi para a sala de fumantes da primeira classe do Titanic. Ali foi visto pela última vez, fumando e lendo um livro.
Montaigne escreveu que a estatura de um homem se mede pela sua atitude diante da morte. Stead por essa medida, e não apenas por ela, foi um colosso.