Por Ulisses Capozzoli, jornalista, no Facebook
Vi, ontem à noite, no Netflix, a mais recente maravilha de Martin Scorsese, “The Irishman” (“O Irlandês”) uma cinematografia que julgava extinta. Emocionante, fascinante e arrebatador, uma sequência de três adjetivos interativos para descrever o filme com 3h30 de duração.
Al Pacino com performance incomparável é Jimmy Hoffa, na vida real sindicalista envolvido com a máfia e morto de maneira enigmática em 1975. O filme baseado no livro “I heard you paint houses, algo como “Eu soube que você é um pintor de paredes”, numa tradução livre, do advogado e investigador Charles Brandt. Brandt chegou a escrever um roteiro inicial mas acabou substituído por Steve Zaillian, o que certamente foi a melhor solução. Robert de Niro é Frank Sheeran, o “irlandês”, um veterano da Segunda Guerra Mundial que trabalhou com fidelidade canina para o também mafioso Russel Bufalino, vivido por Joel Pesci.
Sou amante de cinema, não expert, mas não me lembro de um filme, antes de “O Irlandês”, com uma atuação conjunta tão delicadamente harmoniosa. Absolutamente impecável, em especial em uma naturalidade rara de se ver, na tela e fora dela, o que faz com que o filme capture completamente a atenção e emoção de um espectador.
Não vou dar detalhes da história, só contar que Frank Sheeran é o sobrevivente do trio e, no final da vida, reflete sobre a traição que sabe que cometeu com a acusação/repúdio silencioso por parte de uma de suas quatro filhas. Na morte de Hoffa, ele ligou para a mulher do amigo para solidarizar-se com o que poderia ter acontecido com ele, inicialmente dado como “desaparecido”. Atitude de um cinismo digno dos tempos em que vivemos, ainda que, na realidade, tudo tenha ocorrido no terceiro quarto do século 20, o que, às vezes, soa como um passado remoto.
Em Frank Sheeran, de qualquer maneira − e isso já havia permeado Bufalino, em uma cena rápida em que ele se dirige à igreja do presídio, levado em uma cadeira de rodas −, emerge um sentimento de transcendência, a superação de uma lógica trágica e fria, que traz alguma esperança. Mesmo nas histórias mais duras. Neste caso, uma leitura possível para o que acontece no Brasil…