Por Carlos Eduardo Alves, para o Bem Blogado –
A fragorosa derrota da esquerda nas eleições municipais terminadas no último domingo despertaram duas reações: pela direita, partidos, políticos e seus porta-vozes na mídia comemoram o “fim do PT” e uma mais do que discutível legitimação do governo golpista. Na esquerda, perplexidade, desânimo e temor pelo que vem aí.
É natural a comemoração da direita. Afinal, é de fato impressionante a avalanche de votos no que há de mais conservador nas cidades. O retrocesso pode ser medido inclusive pelo número de candidatos milionários que chegaram às Prefeituras. Como a maioria da população brasileira não é composta de ricos, obviamente o atraso contou com o voto dos historicamente explorados. Pode-se, ou melhor, deve-se discutir o que levou ao resultado final, mas o que importa é o retrato do 2016 que a História vai registrar. Nunca em anos recentes, a direita conseguira tantos votos, inclusive em cidades sempre abertas ao campo progressista.
A direita, porém, erra em boa parte da análise. A começar pelo que mais sonha, que é chegar à Presidência da República pela maneira que não conseguiu nos últimos quatro pleitos: no voto. Eleição municipal nunca foi garantia de resultado repetido na nacional. E, pior para o conservadorismo triunfante, é de se esperar decepções com os falsos probos saídos da urna municipal e, muito mais ainda, a política econômica genocida do governo Temer deve apresentar sua fatura aos mais pobres bem antes de outubro de 2018.
Uma parte dos festejos da direita, a que celebra um possível fim do PT, se encontra como uma incógnita no campo da esquerda. É improvável, quase impossível, que o papel do PT tenha se esgotado completamente. Mas até a velhinha de Taubaté sabe que o partido tem que mudar para, como no samba triste de Nelson Cavaquinho, não virar saudade. É absolutamente previsível que o PT vai perder quadros e parlamentares. Muitos já saíram antes das municipais, sem coragem de enfrentar o desgaste imenso na imagem da legenda. Ressalte-se que o inchaço artificial, a política de porteira aberta permitiu e chancelou a entrada de Delcídios sem fim no PT. Mas existe gente séria, que ajudou a construir a agremiação, que examina hoje a possibilidade de deixar o que ainda é o maior partido do campo pro gressista.
Os problemas do PT são muitos e é alheamento da realidade creditá-los todos e somente a uma imensa conspiração da elite. Os inéditos e inegáveis avanços sociais alcançados pelas três gestões federais do partido não podem servir como discurso para ignorar que o petismo atual não encanta a base social que o levou ao Planalto. O futuro do PT será dado pela coragem de encarar de frente as questões éticas e de conseguir se adaptar a uma realidade social que mudou, inclusive afetando as relações de trabalho e a perda de relevância, em termos econômicos, de setores que sempre o apoiaram. Explorados e exploradores continuam existindo, até de uma maneira talvez mais cruel, mas novos atores e a revolução tecnológica exigem uma releitura. Traduzindo muito g rosseiramente, o discurso clássico do sindicalismo evidentemente não ecoa hoje como ecoava 30 anos atrás.
E se o PT fizer cara de paisagem e não mostrar capacidade de reação? Será péssimo para o campo popular. Não há nenhum ensaio de partido nesse lado do rio que possa substituí-lo sequer no médio prazo. O PSOL, mostram os resultados das eleições municipais, continua sendo um poço de boas intenções cercado pela irrelevância de inserção popular. Mesmo no desastre do PT, não conseguiu romper o caráter residual da legenda. Nada indica que essa incapacidade de obter apoio entre os mais pobres possa ser vencida pelo PSOL.
O ponto mais relevante da discussão sobre a esquerda brasileira é que ela não nasceu com o PT, embora seja improvável que algum dia surja um partido tão decisivo e vitorioso como ele na hora de cotejar avanços para quem precisa de políticas públicas de inclusão. Mas independente do juízo que os dirigentes petistas terão, a esquerda tem obrigações e chances mesmo no inverno duro que começa a viver.
Existe uma maioria de brasileiros que sofrerá o ajuste da PEC criminosa, que ceifa direitos sociais básicos. É a essa massa que uma direção ou direções têm que oferecer propostas e perspectivas. A História nunca foi linear e o velho conflito de classes não foi enterrado nas urnas municipais. É falso, ela mesmo sabe, o discurso da direita sobre o apaziguamento nacional. Os tempos futuros serão mais duros, mas existe luta possível. O desafio das forças progressistas desde já é continuar a combater o golpe mas encarar de frente suas culpas e refletir sobre formas eficientes de discurso e ação na sociedade que mudou em 30 anos. Exige reflexão e, principalmente, coragem.