Sobre o livro de Alexandre Bizzotto
Qualquer um que exerça uma função pública possui hoje o receio de apedrejamento público da mídia. Esta posição subjetiva pode resvalar no medo. E o medo é um fator que não entra na contabilidade da teoria da decisão judicial no campo penal. Finge-se que não é importante.
Na condição de juiz estadual percebo que boa parte de meus colegas trabalham com o coeficiente oculto do impacto midiático que algumas de suas decisões podem tomar no contexto de que o crime passou a ser um produto a ser vendido no comércio midiático. Os programas de televisão fomentam uma lógica de encarceramento e pena como sendo o lenitivo de uma sociedade violenta. Não procurarei demonstrar os equívocos de tal pensar, até porque o texto que segue (A Mão Invisível do Medo) busca evidenciar a estratégia em que o medo opera. De qualquer forma, posso dizer que, nos programas de televisão, o sujeito que busca efetivar garantias fundamentais, dentre elas o devido processo legal, não raro é associado ao acusado. É alguém que impossibilita a realização da vontade de punir e, assim, posta-se no lugar de limite. E todo aquele que se coloca no lugar de fazer barreira, em uma sociedade sedenta por bodes expiatórios que possam aparentemente quitar a nossa culpa de todos os dias, acaba sendo tratado como desertor.
Alexandre Bizzotto é um desertor. Como juiz estadual já enfrentou passeatas contra suas decisões, apedrejamento midiático e covardes de quem procurar explorar (este é o termo) as vicissitudes de uma sociedade do medo, do sangue e do sacrifício. Daí o acerto de sua tese de doutorado, transformada, com modificações, em livro. Por ela procura se meter na categoria medo passando por diversos campos do saber, sem se preocupar em agradar os programas de maximização penal. Muito pelo contrário. Seu texto demonstra o atavismo do medo, afinal, como humanos, foi pelo medo que conseguimos sobreviver. Preparados para correr ou enfrentar, precisamos colocar o medo como variável de nossas decisões. No caso da teoria da decisão penal, então, o medo precisa ser desvelado.
É claro que não podemos decidir mais acreditando em subsunção. O mundo ingênuo dos Manuais de Direito é desterrado em nome de algo que precisa ser enfrentado, ou seja, o medo das exposições midiáticas e também de uma sociedade violenta é um coeficiente oculto que tocaia os magistrados no Brasil. Aparentemente temos a construção de dois lados: o bem contra o mal. E nesse maniqueísmo, imaginariamente, os magistrados se acreditem como gente do bem. E gente do bem (também) mata, se possível, em praça pública, com cobertura televisa e patrocinadores. Contra isso, talvez, seja o caso de relembrarmos qual é a função do surgimento do Estado como ente terceiro e imparcial, composto por representantes da autonomia do Direito e não vingadores sociais. Mas antecipar as conclusões do trabalho seria privar o leitor de um texto coeso e com enunciação. Aliás, cada vez mais lemos trabalhos em que o autor não se coloca, enfim, não enuncia. Junta uma série de citações e se esconde. Não é o caso de Alexandre Bizzotto.
Tenho com Alexandre uma relação de admiração e respeito. Compartilhamos angústias, alegrias e principalmente o desejo de recolocar o Judiciário, na seara penal, em seu devido lugar. Não somos entendidos pela maioria e, quem sabe, o livro possa ajudar a compreender que precisamos de magistrados corajosos, que possam enfrentar o medo de ser enxovalhados. Há um lugar e uma função de garantia que precisa ser sublinhado. E nisso o livro pode ajudar. Mas só compreende quem possa ler o livro com olhos desarmados. Não é para qualquer um, especialmente covardes que adulam as TVs e prestam contas à mamãe. Foi meu primeiro doutor no Programa de Doutorado da UNIVALI(SC). Trabalhos como este reanimam a continuar, embora não saibamos onde possamos chegar. Tomara que possamos nos fazer compreender e, no futuro, pensar num processo penal que garanta todos nós. O amanhã nos dirá. Boa leitura.
Alexandre Morais da Rosa é Professor do Curso de Direito da UFSC da UNIVALI-SC. Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com