Por Cristina Buarque –
“Foi o meu compadre Carlinhos Vergueiro quem me chamou pra ajudar na escolha do repertório do disco de Nelson Cavaquinho que seria gravado pela Eldorado.
Eu já tinha alguns pedaços de sambas na memória, de modos que partimos pro Jardim América pra escarafunchar.
Tinha um samba dele com Cartola, que ele tinha cantado no MPB Especial, que depois virou Ensaio, Do Fernando Faro, na Cultura.
“Nelson, lembra da segunda parte que o Cartola fez?”
“Ih, minha filha. Acabou que vendi a minha parte prum sargento do exército, nunca foi gravado…”
“Pena, Nelson. Primeira tão linda”.
“Devias ser condenada ou crucificada
pois juraste em falso…”
Dia seguinte me liga Nelson com memória fresca: Tinha lembrado a segunda do Cartola. E foi cantando no telefone:
“Eu vivo tão magoado
Não sei viver mais ao teu lado…”
E assim o samba lindo foi gravado, única parceria dos dois.
Tempos depois, meu querido Pedro Paulo Malta me ligou contando que estava relendo a biografia de Cartola escrita pelos também queridos Professor Artur e Marilia Trindade Barboza e encontrou ali a letra do samba. E que a segunda parte, a letra de Cartola, era completamente diferente e que nem cabia na melodia que o Nelson gravou.
Conclusão: Realmente o Nelson tinha esquecido a segunda e tratou de fazer outra, me dizendo que era a do Cartola.
E me ligou cedinho o compadre Carlinhos: Nelsão morreu. Tá em casa.
Liguei pro Bolacha, que tinha uma Brasília amarela que o filho é quem usava, marcamos encontro em Botafogo e fomos com Homerinho até o Jardim América: Carlinhos, Homerinho, Bolacha e eu.
Tava lá o corpo estendido no chão da sala, dentro dum caixão furreca.
E saiu o cortejo rumo à Mangueira: O carro da funerária, a UBC tinha pago uma Caravan dourada meio batida. O caixão, o motorista, o funcionário e, de quebra, meio que acocorada ao lado, em cima do caixão, uma dona que se dizia filha do finado. Os cornos dele. Atrás, nosso carro com a viúva Durvalina. E mais um carro da imprensa, se não me engano Diana Aragão, do Jornal do Brasil. Esse era o cortejo.
Chegamos à Capital do Samba, tão cantada pelo Nelson, paramos embaixo do viaduto, não apareceu ninguém, de maneiras que o jeito foi ir puxando o caixão, Os dois da funerária, Carlinhos e Homerinho, e então dois garis que tavam passando se ofereceram pra ajudar. E entraram pela quadra da Escola, enquanto eu estacionava e Bolacha, que não podia carregar caixão por conta duma hérnia, me ensinava o segredo da trava do carro.
Ainda vi uma mãe e uma criança que perguntou o quê era isso e ela respondeu que “deve ter morrido algum sambista”.
Mas isso era cedo e depois foi chegando muita gente e aí a gente já tava lá pelas biroscas.
Alguns anos depois morre Chico Santana, autor do Hino da Portela e do Hino da Velha Guarda da Portela. E Maracanã, português e então diretor da escola perguntou à então viúva do falecido o quê ela precisaria.
“Eu preciso de um ônibus pra levar a gente de Madureira pro Irajá”.
E deu-se o velório no Portelão, botequins lotados, saiu a kombi com o caixão, o ônibus cheião atrás, cortejo por Madureira e Oswaldo Cruz, inclusive subindo pela ruazinha estreita onde o morto tinha vivido, com mulheres e crianças acenando e lágrimas escorrendo.
Eu verto lágrimas pelos dois.”