O Menino e o Goleiro

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Por Cláudio Lovato Filho, jornalista e escritor

Escrevi este texto a partir de uma “sugestão de pauta” do amigo René Ruschel. (Valeu, René!) É sobre o pequeno santista Bruno, o menino de 9 anos que foi hostilizado por torcedores do seu próprio clube ao pedir e ganhar a camisa do Jailson, goleiro do Palmeiras, ao fim do jogo na Vila Belmiro, na semana passada.




Vai aqui um modesto lembrete aos torcedores adultos de todos os clubes, todas as cores, todos os credos: o futebol pertence, sobretudo, à infância – a verdadeira majestade dentro dos estádios (e na vida).

O Menino e o Goleiro

Aos 9 anos, em 1974, descobri um dos meus grandes ídolos no futebol. E isso na Copa do Mundo em que o time dele eliminou o meu, a primeira Copa que acompanhei de fio a pavio. Johan Cruyff. Há algumas semanas, aos 56 anos, trouxe de Porto Alegre, na bagagem, uma camiseta do Cruyff estampada com a pintura feita pelo amigo Pancho. Então me lembro de Pablo Neruda: “Onde está o menino que fui? Segue dentro de mim ou se foi?”

Sigo tentando manter dentro de mim o menino que fui. E eu gosto muito desse guri.

Aos 9 anos, eu tinha outros heróis da bola, e nem todos eram do Grêmio, embora não me faltassem ídolos no meu clube, então já muito amado: Tarciso, Ancheta, Everaldo (falecido naquele ano), Humberto Ramos, Loivo, Iúra…

Mas como, aos 9 anos, não ficar fascinado quando o camisa 10 da sua seleção bate uma falta, o camisa 7 se abaixa na barreira, a bola passa bem no espaço que ele abriu e vai parar lá dentro do gol, decretando o definitivo um a zero num jogo terrivelmente encardido e eliminatório de Copa do Mundo? Rivelino e Jairzinho.

E havia também um cara chamado Edu Coimbra, que formava com Ivo e Bráulio, um meio-campo sensacional no América do Rio.

E Leivinha, que pintava e bordava com seus companheiros de ataque no Palmeiras – Edu, César e Nei. E um uruguaio de nome Pedro Rocha no São Paulo.

E Pelé, ainda no Santos. (Eu me lembro de passar muito tempo lendo um livro sobre Pelé na biblioteca da AABB, em Porto Alegre, enquanto a maioria dos amigos seguia na piscina; Pelé ensinando a bater na bola, a cabecear… Pelé sendo Pelé.)

E havia outros mais. Nossas arquibancadas não podem ser repositórios e desaguadouros de intolerância. Nossos estádios não existem para ambientar a colisão entre a estupidez e a infância.

Luis Fernando Verissimo escreveu certa vez: “Só o futebol permite que você sinta aos 60 anos exatamente o que sentia aos 6”.

Anseio pelo dia em que todos – todos – voltarão à infância assim que pisarem num estádio de futebol.

Sonho com o dia em que todos terão 9 anos quando forem para as arquibancadas.

E que, assim, possam desfrutar do futebol da maneira mais extraordinária que se possa imaginar. Da maneira mais fascinante que nós, adultos, conseguimos nos lembrar.

Você aí: se lembra?

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