O menino wayuu

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Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor  – 

O menino é um índio wayuu de Maracaibo, na Venezuela. Chama-se Juan Francisco Fernández Montiel e quer ser jogador de futebol. O menino wayuu torce pela seleção da Colômbia, mas também gosta do Brasil. Ele mora numa casa pobre na área rural da cidade e fez do pequeno quintal que fica nos fundos dela o seu campo com tijolos que ele imagina traves perfeitas, dignas do Camp Nou.




O menino wayuu tem um chute forte de esquerda. Ele sonha ser como Juan Arango, seu conterrâneo que um dia foi brilhar na Europa. O menino, cada vez que chuta a bola, imagina-se Arango, e, em outras vezes, Cristiano Ronaldo, Messi, James Rodríguez.

O menino wayuu tem um irmão mais velho chamado Remigio Elías que o protege de tudo e de todos, porque os adversários nesta vida são muitos, mas Remigio prefere o beisebol. Seus ídolos usam tacos e luvas, e ele não entende como o irmãozinho foi gostar tanto de futebol, mas não acha isso ruim, apenas engraçado, e de vez em quando troca uns passes com o pequeno nos fundos da casa.

O pai do menino wayuu, Hugo Cesar, sempre ri quando assiste ao menino jogar futebol; não pelo que o menino faz, mas pelo que ele diz, como se fosse um locutor no estádio, e o pai ri de verdade cada vez que o menino faz um gol, e se lembra (isso é recorrente) de quando ele, Hugo, vivia na Península de la Guajira com seus pais – a Península onde viveu até os 18 anos, até vir morar com tios em Maracaibo, a Península árida e bela, com o céu mais estrelado que uma pessoa pode ver. Em Maracaibo perdeu a ingenuidade, mas conheceu o amor de Mari Carmen, e casou-se com ela depois de ter se tornado professor primário. Pensamentos, lembranças.

A bola vem e bate na parede ao seu lado, um estouro, uma pequena explosão originária de um arsenal infantil. Leva um susto, já não pensa mais na Península, e, de olhos arregalados, ouve as risadas finas do filho e começa a rir também, e ele faz uma careta daquelas engraçadas, que fazem o menino rir mais ainda, e agora vem a mãe, Mari Carmen, porta da cozinha afora, avisando que o cabrito assado está pronto e pensando em como é bom ver o pequeno Juan Francisco rindo, e o pai dele rindo também, pensa que seria muito bom se seu filho mais velho estivesse com eles, mas Oscar já tem a casa da namorada para almoçar aos domingos (não em todos os domingos, mas em muitos deles), e então eles se sentam para comer na mesa que fica na área externa ao lado da cozinha, sob uma árvore, como gostam os wayuu, e se unem para comer, um com Arango na cabeça, outro com a Península de la Guajira, outra com o filho ausente, mas estão todos felizes, sabedores de que, se perdem algo ou alguém de um jeito, ganham de outro, porque a vida, por mais que às vezes não pareça assim, sempre dá em troca, sempre compensa tudo, é negociadora severa mas justa, tanto é que estão juntos, e isso é o que mais importa para eles, isso é tudo o que importa neste exato momento presente, juntos.

Fotos de Américo Vermelho:

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