Por Carlos Ratton, compartilhado de Construir Resistência
– Professor, desculpa, mas eu não escutei o senhor chamar meu nome”
– Qual seu nome?
– Carlos Ratton
– Eu chamei sim. Você é novo nessa turma. Veio de onde?
– Me formei em relações públicas e agora quero o Jornalismo
– Se você não está atento nem na chamada, nunca será um bom jornalista. Desiste, garoto!!
Não sei se consegui lembrar exatamente, mas esse diálogo constrangedor, no meio de uma turma que eu mal conhecia, foi meu primeiro contato com o Professor Dirceu, que nos deixou nesta quarta-feira, 22 de dezembro de 2021.
Levou algumas aulas para eu perceber o jeito Dirceu de ser. Geralmente, cada sacudida dele vinha um ensinamento. Chegar atrasado, nem pensar. Você passaria o tempo da aula ouvindo que não deveria ter vindo.
Lembro de muitas subidas nos morros santistas, das piadas depois da cerveja na Lagoa da Saudade e das inúmeras vezes que ele tirou a lauda da minha máquina de escrever e disse: “esse texto está uma merda. Começa de novo”.
Também lembro de seu andar apressado, da mochila nas costas, dos empurrões para a gente entrar na sala de aula e de seu gestual dentro dela também. Lembro que já em atividade e no meio de uma pauta e outra fui ao Carioca comer pastel e me deparei com o professor Dirceu e cerca de 10 alunos ao seu redor.
Ele me chamou e disse na frente deles em alto e bom som. “Estou mostrando o centro histórico pra eles. Não sabem nada, não leem nada. Nunca serão jornalistas!”. Era o velho Dirceu de sempre, dando estímulo em forma de bronca. Forjando repórteres.
Ele me forjou e, graças a ele, entendi meu papel e tive forças para superar os riscos que o jornalismo me proporcionou em meus mais de 25 anos de carreira. Dirceu me ensinou a entender a vida de repórter e só quem tem a reportagem como uma das razões de caminhar sabe o quanto seus ensinamentos foram fundamentais.
Lembro de uma das vezes que ele me levou à USP para conversar com alunos sobre o dia-a-dia da reportagem. Que medo de decepcioná-lo! Na última vez, da velha mochila, ele tirou meu primeiro livro – O Pescador de Notícias – e disse aos alunos que ele estaria em sua lista de leituras obrigatórias.
Não tive tempo de falar para ele que essa pequena atitude, que durou alguns segundos, no início de minha apresentação, me emocionou tanto quanto a vez que me foi anunciado que estaria entre os finalistas do Prêmio Esso de Jornalismo, cujo certificado está na parede, sobre uma antiga máquina de escrever, que adquiri este ano em um antiquário.
“Não estou preocupado em formar jornalistas. Estou preocupado em formar seres humanos que possam se indignar com a realidade e com isso provocar mudanças. Sou um idealista e essa é minha utopia. Ser jornalista é toda uma conscientização do mundo. É ter um compromisso com seu tempo e sua gente. É buscar a reflexão do mundo e tentar dar a sua contribuição para melhorá-lo. No dia em que não acreditar mais nisso, abandono tudo e vou jogar dominó”, disse um dia o Mestre Dirceu.
Nunca vi Dirceu jogando dominó. Adeus Mestre e amigo. Um dia, estaremos juntos novamente. Tenho muito que aprender!
Professor Dirceu
Carlos Ratton é jornalista, ex-diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo na Baixada Santista e repórter do Diario do Litoral