O movimento operário e as suas organizações face ao massacre de Gaza

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Publicamos a tradução em Português da Carta semanal do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI – Secção espanhola da 4ª Internacional), nº 971, de 25 de Dezembro de 2023.

Compartilhado do Portal da Política Operária de Unidade Socialista




A operação genocida que o agente do imperialismo norte-americano, o Estado de Israel, vem realizando, perante os olhos do mundo inteiro, despertou uma imensa onda de solidariedade nos cinco continentes, com poderosas e sustentadas mobilizações. Uma mobilização que obrigou os governos a manobrar, governos que inicialmente apoiaram, quase sem excepção, o alegado “direito de defesa” do Estado sionista, e tentaram proibir as mobilizações contra o massacre, assim como contra a exibição de bandeiras palestinianas. Perante a mobilização, muitos deles têm vindo a recuar para a chamada “equidistância”, chegando mesmo a fazer tímidos apelos a um cessar-fogo.

Após a Segunda Guerra Mundial, o imperialismo britânico, que foi em seguida substituído pelo imperialismo norte-americano, colocou o Estado de Israel – com o apoio, no início, do governo estalinista da URSS – no centro do Médio-Oriente, a fim de dispor de uma agência política e militar para assegurar o seu domínio sobre a região, rica em petróleo e através da qual passam algumas das rotas marítimas estratégicas. Mas a entidade sionista não pode sobreviver sem expulsar o povo palestiniano da sua terra, como demonstram os 75 anos que passaram desde a partição de 1948 e a imediata e subsequente expulsão da população árabe do território pelo Estado de Israel (recorrentemente repetida desde então, mostrando a impossibilidade da suposta “solução dos dois Estados”). Uma operação de limpeza étnica que se confrontou, desde o primeiro dia, com a resistência do povo palestiniano (mesmo antes de 1948, com a greve geral de 1936-37 e as intifadas de 1987-1993 e 2000-2005).

Para as classes trabalhadoras de todo o mundo, a questão palestiniana não é uma questão menor. Muitos trabalhadores e militantes estão conscientes de que, se a resistência do povo palestiniano for derrotada, será uma derrota para a classe operária mundial. Por isso, muitos olham para as suas organizações e estão decepcionados por falta de resposta destas.

O movimento operário norte-americano dá um passo em frente

Foi uma secção do movimento operário dos EUA – conectado com um grupo de congressistas que votaram contra os orçamentos militares e exigem um cessar-fogo em Gaza – que deu talvez o maior passo em frente. Encabeçado pelo poderoso Sindicato da indústria automóvel, o UAW, que acaba de arrancar às grandes empresas um aumento salarial importante. O UAW apelou a um cessar-fogo imediato, numa conferência de imprensa frente à Casa Branca. “Opusemo-nos ao fascismo na Segunda Guerra Mundial, opusemo-nos à guerra do Vietname, opusemo-nos ao apartheid na África do Sul e mobilizámos recursos sindicais para essa luta”, declarou um dos seus porta-vozes, Brandon Mancilla.

O UAW está a travar esta batalha em conjunto com uma dezena de sindicatos regionais e duas organizações estatais, o Sindicato dos Correios e o Sindicato dos Enfermeiros. O seu comunicado conjunto fazia “um apelo ao presidente Joe Biden e ao Congresso para que façam pressão para um cessar-fogo imediato e o fim do cerco a Gaza” e salienta que “a escalada das guerras e a venda de armas não serve os interesses de nenhum trabalhador” e que “milhares de norte-americanos se uniram ao movimento de solidariedade mundial que apela a um cessar-fogo imediato. Agora é a vez do movimento operário fazer ouvir a sua voz e exigir um cessar-fogo.”

Pelo seu lado, o Sindicato dos Enfermeiros (NNU) tornou público um apelo: “Enquanto enfermeiros, os nossos doentes confiam em nós para os ajudar e para os curar quando são afectados devido às condições da sua vida quotidiana. Para honrar essa sagrada confiança, é nosso dever defender o direito de todo o ser humano a uma vida livre de violência e dos traumas da guerra.” O Sindicato “apela a um cessar-fogo imediato, à entrega de ajuda humanitária, à libertação de todos os reféns e ao fim desta violência. Exortamos todas as partes a protegerem a vida humana e a saúde e o bem-estar dos civis, tanto em Israel como na Palestina.”

No entanto, a direção da AFL-CIO (a maior Confederação sindical dos EUA) permanece em silêncio.

Tomadas de posição sindicais em todo o mundo

Fazendo eco ao apelo dos sindicatos norte-americanos, “os sindicatos regionais CGT, FO, FSU e Solidários da Ilha-de-França apoiam o texto assinado por muitos sindicatos norte-americanos, incluindo o UAW (…). Os nossos sindicatos regionais de França consideram, juntamente com os sindicatos norte-americanos signatários do texto, que é a vez do movimento operário fazer ouvir a sua voz e exigir um cessar-fogo. Juntos, lutamos pela paz imediata, pela justiça e por um futuro melhor para os trabalhadores de todo o mundo.

Por conseguinte, apelamos às nossas estruturas para que se unam e tomem iniciativas nos seus locais de trabalho e estudem os slogans das reivindicações dos nossos sindicatos regionais.”

Militantes de 20 países africanos, na sua maioria sindicalistas, ligados ao Comité Internacional de Ligação e Intercâmbio (CILI), lançou um apelo público em Novembro passado: “Somos militantes africanos de diversas origens, empenhados no combate diário pela democracia, pelos direitos políticos e sociais nos nossos respectivos países, contra a guerra e a exploração, pela soberania dos povos. Os nossos países viveram a colonização e o domínio imperialista; por isso, condenamos solenemente e com horror, o actual genocídio na Palestina. É urgente. O cessar-fogo e o acesso aos bens de primeira necessidade (cuidados básicos, água, eletricidade, alimentação, habitação, segurança)! Por isso, exigimos o cessar imediato dos bombardeamentos e o levantamento incondicional do bloqueio à Faixa de Gaza.”

Tomadas de posição sindicais em Espanha

A Federação da Saúde (FSS) das Comissões Operárias (CCOO) aprovou uma Resolução no seu Conselho, que começa assim: “Parem com os bombardeamentos de hospitais e centros de saúde! Cessar-fogo imediato e de forma permanente! Da parte da FSS-CCOO manifestamos a nossa profunda rejeição de todas as formas de violência contra o povo palestiniano e apelamos a um cessar-fogo imediato e permanente.”

A Resolução salienta que “os hospitais, os centros de saúde e as ambulâncias não são, e não podem ser, em caso algum, objectivos militares, deve respeitar-se o direito do pessoal de saúde a poder exercer o seu trabalho, que é o de cuidar das pessoas doentes e feridas”. E conclui: “Da parte da FSS-CCOO, fazemos um apelo a todo o pessoal e a todas as organizações de saúde para se juntarem a nós na rejeição deste massacre, para mobilizarem e mobilizarem-se para um cessar-fogo imediato e permanente, tal como foi aprovado na Resolução da Assembleia Geral da ONU, em 27 de Outubro de 2023, para pôr termo ao bloqueio e para a libertação de todos os reféns e prisioneiros.”

Pelo seu lado, o Conselho Confederal das CCOO aprovou, a 13 de Dezembro, uma Resolução que “denuncia o genocídio que o Estado de Israel está a levar a cabo contra o povo palestiniano e exige à comunidade internacional, em especial à União Europeia e ao Governo de Espanha, que actuem de forma urgente com todos os instrumentos ao seu alcance para pôr termo a esta barbárie”, e conclui: “o Conselho Confederal das CCOO faz um apelo aos seus filiados, bem como ao conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras do nosso país, para que participem nas mobilizações convocadas que exigem a um cessar-fogo permanente e a uma paz justa e duradoura.”

É imprescindível passar das palavras aos actos

Como salientámos no início desta Carta, para as classes trabalhadoras de todos os países do mundo, o que está a acontecer em Gaza é muito importante. Embora a ameaça de destruição da Palestina atinja o ponto mais alto e já esteja a tentar materializar-se neste momento, todos os povos do mundo estão também ameaçados pela barbárie imperialista. Como Marx e Engels já explicaram em 1848, a luta de classes: “Pela sua forma, embora não pelo seu conteúdo, a campanha do proletariado contra a burguesia começa por ser nacional”. A luta do povo palestiniano é a luta de todos os povos do mundo. Por isso, as nossas organizações sindicais têm uma importante responsabilidade. Têm de dar um passo em frente e colocar-se na primeira fila na organização da mobilização e levar esta mobilização aos locais de trabalho.

É fundamental organizar uma mobilização central contra o massacre, por um cessar-fogo, para exigir ao Governo que ponha fim à compra e venda de armas, às relações comerciais e diplomáticas com Israel, e os sindicatos devem desempenhar um papel central na organização dessa mobilização.

Está a ser preparada uma mobilização em Madrid para Janeiro. São muitos os sindicalistas que querem que as suas organizações se tornem organizadoras activas da mobilização.

  • Cessar-fogo imediato!
  • Parem com o genocídio!
  • Embargo ao envio de armas para o Estado de Israel!
  • Pelo direito ao retorno do povo palestiniano!

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ANEXO

E, em Portugal, quais têm sido as tomadas de posição sindicais, bem como as manifestações e concentrações mais marcantes contra o massacre em Gaza?

Tomadas de posição sindicais

Está a circular em Portugal uma Carta, dirigida às organizações profissionais do sector da Saúde, que há 3 semanas já tinha recebido mais de 800 assinaturas. Este documento, que teve origem numa discussão entre um grupo de médicos, rapidamente se estendeu a outros profissionais de saúde (enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, nutricionistas, fisioterapeutas, etc.), que decidiram apresentar uma Carta aberta para alertar e protestar contra o facto de as Ordens profissionais portuguesas ainda não terem tomado posição sobre as condições em que estão os profissionais em Gaza e os cuidados de saúde são aí prestados.

Por outro lado, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), ligada à CGTP, também emitiu um comunicado em que afirma que “ninguém deve ficar indiferente, e nós médicos não estamos, à generalização dos conflitos militares em todo o mundo”, que “banaliza o sofrimento humano e, pior ainda, normaliza a ideia de que os recintos médicos e hospitalares podem ser usados como palco de guerra”.

Neste sentido, o sindicato solidariza-se com “todos os médicos que trabalham em teatros de guerra e apela a um cessar-fogo”Mariupol e Gaza, na Ucrânia e na Palestina, respectivamente, são os casos mais recentes, mas no curto espaço de tempo do século XXI, já assistimos à brutalidade da guerra no Afeganistão, Iraque, Líbano, Geórgia, Líbia, Síria, Iémen, Arábia Saudita, Tunísia, Turquia, Níger, Azerbaijão, Uganda, República Democrática do Congo, Camarões, Paquistão e Etiópia. Se fizéssemos o mesmo exercício para o século XX, a lista seria dolorosa e interminável”, afirma o comunicado de imprensa.

“A FNAM, que faz parte de um sindicato humanista, rejeita os acontecimentos, junta a sua voz à de muitos médicos de todo o mundo que denunciaram a guerra e apelaram ao cessar-fogo, e solidariza-se com os colegas que, apesar de visados, continuam a fazer o seu trabalho em condições inimagináveis”, conclui.

Manifestações e concentrações contra o massacre em Gaza

Desde o início dos bombardeamentos contra o povo palestiniano, têm-se realizado inúmeras manifestações e concentrações – para exigir o fim do genocídio do povo palestiniano – em diferentes cidades do país, nomeadamente nas duas principais, Lisboa e Porto.

Destacamos duas das mais recentes iniciativas que tiveram impacto na Comunicação social.

No dia 8 de Dezembro, milhares de pessoas manifestaram-se em Lisboa, ao apelo da CGTP e do Conselho Português para a Paz e Cooperação, com a presença de várias organizações sindicais.

No dia 16 de Dezembro, foi montado um cordão humano ao apelo da Plataforma Unida de Solidariedade com a Palestina para exigir o fim do massacre do povo palestiniano.

Este cordão humano realizou-se em Lisboa, ligando o Hospital de Santa Maria e a Maternidade Alfredo da Costa, e passando em frente à Embaixada dos EUA e à Embaixada de Israel.

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