Para O Globo, segundo o editorial publicado na terça-feira (29), “é um abuso acusar Bolsonaro de genocídio”. O jornal se apega a tecnicidades, usando linguagem burocrática, para basear sua tese em uma interpretação dogmática de uma convenção das Nações Unidas de 1948 e de uma lei de outubro de 1956, promulgada pelo governo Juscelino Kubitschek. É um editorial quase no nível do já antológico “Uma escolha difícil” feito pelo Estadão.
Por Sérgio Miguel Buarque*
O Globo faz malabarismo retórico para tirar o peso simbólico da palavra genocídio do rol de crimes cometidos por Bolsonaro. O jornalismo tradicional brasileiro, dominado por umas poucas famílias, foi moldado na lógica de não dar os devidos nomes às coisas (tipo chamar falas racistas ou homofóbicas de “polêmicas”, e não de criminosas, ou dizer que tivemos uma “ditabranda” e não uma ditadura, por exemplo).
Não chamar as coisas pelos nomes tem o claro objetivo de naturalizar as barbáries, as desigualdades e as injustiças. De encobrir crimes e proteger bandidos. Passar verniz em coisas ruins. Bolsonaro é fruto dessa política editorial covarde.
Como escreveu o professor Carlos Eduardo Martins, no blog da Boitempo, “Bolsonaro cometeu um crime em massa contra um grupo nacional, enquadrando-se principalmente na tipificação da destruição parcial de brasileiros – não foram russos, argentinos, alemães, chineses, estadunidenses. Ainda priorizou subgrupos como os idosos, de olho na redução dos custos da previdência; indígenas, buscando ampliar as fronteiras agrícolas e extrativistas sobre suas reservas; além de pobres, negros e trabalhadores”. O nome disso é genocídio. E precisa ser dito.
Sérgio Miguel Buarque é cofundador e coordenador executivo da Marco Zero.
