Por Sergio Pugliese, jornalista, Museu da Pelada, Facebook –
A primeira pessoa a me magnetizar fazendo embaixadinhas foi Pelé, um artista de rua que perambulava pela Cinelândia, centro do Rio, com o uniforme da seleção brasileira. Eu integrava a imensa roda que o cercava, normalmente no horário do almoço, para prestigiar seu talento. E sempre deixava um trocado.
Ele concorria com um engolidor de facas e giletes, mas sempre preferi a arte de Pelé. Nunca fui bom em controle de bola e me aliviava ouvir que nem todo malabarista da bola fazia sucesso nas quatro linhas. “Lugar de artista é no circo”, diziam os mais radicais.
Anos depois, assistindo Ronaldinho Gaúcho, vi que é totalmente possível conciliar as duas artes. Nas peladas, perdi a conta dos caras que jogavam a bola para cima e a amorteciam na nuca. Pode ser bobeira, mas sempre gostei desses jogadores com espírito de foca.
Para mim, o maior de todos foi Jankel, um velhinho russo que antes dos jogos iniciarem no Maracanã dava a volta no campo sem deixar a bola cair. Depois, com ela na nuca, fazia flexões. Da arquibancada, não tirava os olhos dele e não entendia como muitos a meu redor não estavam hipnotizados como eu. Mas no final da exibição era muito aplaudido pelas duas torcidas. ]
Um dia, li no jornal que ele era o novo recordista mundial: havia feito 12 mil embaixadinhas em uma hora e pouco. Vibrei por ele! Com a reforma do Maracanã, o velhinho das embaixadas sumiu, assim como tantos outros personagens da Geral.
Passou a exibir-se na Praia do Leblon, mas também deixei de vê-lo por ali. Hoje, o malabarista da vez é o Professor Caniddia Silva, de São João da Barra, que sempre me envia vídeos sensacionais. Mas por onde andaria Seu Jankel? André Mendonça, do Museu da Pelada, descobriu e fomos visitá-lo.
Caramba, que emoção quando ele chegou trazendo uma pasta com suas reportagens, com sua vida. Antes de falarmos qualquer coisa já foi se apresentando, ˜Jankel, dez anos sem deixar a bola cair”.
Falamos, rimos e choramos. Pediu alguns minutos para ir ao apartamento pegar a bola, parceira da vida toda. Queria nos apresentá-la! Imaginei uma exibição de gala, ao vivo, mas ele logo desfez a euforia de nossa equipe. Reclamou da hérnia que o obrigou a pendurar as chuteiras. “Dói demais”.
O tal do tempo não dá canja. Mas no último minuto da partida, após termos nos despedido, Jankel, aos 92 anos, disse que arriscaria umazinha. Na primeira tentativa, pernas fracas, desequilibrou-se. Me aproximei dizendo que já estava ótimo. Para ele não estava. Esticou a mão, buscou apoio e segurando meu braço alcançou seis longas e dolorosas embaixadinhas, seu novo recorde.
A dor virou sorriso e o velho Maraca explodiu, os geraldinos entraram em êxtase, as bandeiras tremularam e os bumbos pulsaram no ritmo de nossos corações, mas dessa vez eu estava abraçado ao velho Jankel.
Foto: Daniel Faillace Planel