Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, especial para o Bem Blogado –
A barbárie sentou praça no Brasil já tem alguns anos. Mas sua ostentação, exibição mesmo, nunca foi tão explicitada como nos dias de agonia e morte de Marisa Letícia Lula da Silva. Se existia alguma esperança num país minimamente civilizado, os idiotas esclarecidos trataram de sepultar. A baba do ódio infectou o que restava de civilização aqui.
Teve para todos os maus. De médicos de instintos assassinos a procuradores enfermos, publicitário cafa, atriz ignorante…Vibraram com a morte da mulher de Luiz Inácio Lula da Silva, aquela “criminosa” dos pedalinhos para os netos. O estado de espanto pela insensibilidade diante da morte, porém, não desobriga a reflexão: como chegamos a isso?
É a tal luta de classes, estúpido. Lula, nem depois de morto, deixará de ser odiado. As quatro letras que se juntam para formar o nome do presidente da República que mais inclusão social promoveu na História brasileira significam, para um vasto setor das classes média e alta do país que aposta na desigualdade, a figura do “invasor”, aquele que chegou para lembrar dos milhões de miseráveis e tentar dar a eles um mínimo de cidadania. Imperdoável, pois, para a elite que “tolera” pobres em seu lugar, na senzala.
O ódio de classe nunca foi, na verdade, dirigido a Dilma, desde sempre pálida politicamente diante do ex-presidente. O “problema” sempre foi Lula. O golpe que derrubou a honesta Dilma, substituída pela chocante caravana de corruptos que assaltou o Poder, foi só o começo do organograma do atraso. O pavor final é a possibilidade de Lula voltar, em eleição, para Brasília. Não haverá paz, nem de cemitério, enquanto o ex-presidente não for preso (sonho maior do tsunami fascista) ou impedido “legalmente” de concorrer.
O medo da direita não é desprovido de razão. Mesmo com todo bombardeio diário de anos no Jornal Nacional, Lula permanece, nos cenários pesquisados por institutos insuspeitos de petismo, como o líder no primeiro turno. Sua alta rejeição de hoje, quem conhece pesquisa e o petista sabe, seria com certeza muito diminuída em campanha a que tivesse acesso ao horário gratuito para relembrar seu governo. Daí a urgência de aniquilá-lo. Nas urnas, ninguém poderia com o homem. E os possíveis candidatos do PSDB só deslizam para o precipício em qualquer levantamento que extrapole os Jardins e Leblon.
Marisa representava também a ousadia de uma mulher que começara a trabalhar aos 9 anos e virara primeira-dama. Imperdoável ao ódio dos que sempre imaginaram que trabalhador “bonzinho” é aquele que aceita seu confinamento social, sem direito a direitos e sonhos. Era, com Lula, a imagem do casal perfeito a ser odiado.
O AVC que vitimou Marisa trouxe à luz a intolerância mais mesquinha, que não respeita nem a dor da morte. Isso não tem jeito de ser revertido. A insanidade, desculpe quem acredita em regeneração, não se enfrenta com o oferecimento da outra face. E é aí que o infortúnio de Marisa atinge a esquerda. Como Lula reagirá?
Não existe aposta padrão diante da morte de um ente querido. Todos nós conhecemos casos de dor em que familiares reagem de maneiras diferente. Tem gente que se recolhe definitivamente, outros temporariamente e alguns se entregam de corpo e alma ao trabalho, à causa, a alguma coisa.
Por mais que Lula seja um animal político, ninguém pode assegurar que o baque da perda da companheira de 43 anos não altere seu ânimo. Emotivo, é antes do político o homem que perdeu a mulher que no cotidiano escorava a sua carreira. E cobrar qualquer coisa de Lula agora seria ignorar a dor.
Não se pense que a discussão causada sobre os motivos que levaram Marisa ao AVC cause algum constrangimento a quem quer, no Judiciário e na mídia, a eliminação política do ex-presidente da República. A encomenda tem que ser entregue e a Lava Jato só será estancada de fato quando Lula for exterminado politicamente e, claro, seja possível poupar centenas de corruptos que participaram e agora usufruem do golpe.
Não só de exterminar direitos sociais vivem os que odeiam e não respeitam a morte. É preciso, até para facilitar a tarefa, que não exista possibilidade de volta para quem representa a maioria da população. Mesmo na hora da maior dor, Lula tem que se cuidar. O desafio imediato para quem tem compromisso com os setores populares é não deixar que o julgamento seja feito pela História. Tem luta para ontem.