O Partido Fardado

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Por E. P. Cavalcante, Capitão de Mar e Guerra, reformado do Corpo de Fuzileiros Navais, ex-preso político, 87 anos

 

Juram defender a pátria com o sacrifício da própria vida, se necessário for.  Obedecer a Constituição e as leis do país. Mas, a partir de determinado momento, chefes militares esquecendo o juramento e os seus deveres constitucionais, extrapolaram de suas funções e se travestiram de políticos, construindo um partido militar. Ou o partido dos generais?




Não um partido político qualquer, mas um superpartido, todo poderoso, o “partido fardado”. Os poderes legislativo e judiciário estão obrigados a seguir o que lhes dita o “partido fardado

 

Como são constituídas as forças armadas brasileiras? São três as forças armadas do Brasil: Exército, Marinha de Guerra e Aeronáutica.

Pertencem ao Estado brasileiro e têm por dever constitucional defenderem o território nacional, o mar territorial e o espaço aéreo brasileiro.  Estas são missões precípuas e inarredáveis.

Todos os militares brasileiros são obrigados a jurar à bandeira. Para esse juramento há um ritual, uma cerimônia marcial. Com o braço erguido frente à bandeira desfraldada.

Juram defender a pátria com o sacrifício da própria vida, se necessário for.  Obedecer a Constituição e as leis do país.

Mas, a partir de determinado momento, chefes militares esquecendo o juramento e os seus deveres constitucionais, extrapolaram de suas funções e se travestiram de políticos, construindo um partido militar. Ou o partido dos generais?

Não um partido político qualquer, mas um superpartido, todo poderoso, o “partido fardado”.

Os poderes legislativo e judiciário estão obrigados a seguir o que lhes dita o “partido fardado”.

O caso do general Vilas Boas, ex-comandante do Exército, é sintomático. Ele confessa que reuniu o alto comando do Exército e tiraram uma nota pressionando o STF, Supremo Tribunal Federal a manter o ex-presidente Lula preso.

As declarações do general Vilas Boas constam do livro Conversas com o Comandante, do professor e pesquisador Celso de Castro, autor de diversos livros sobre a temática militar, que atua há mais de três décadas no CPDOC da FGV.

E aqui cabe uma pergunta lógica e necessária. Por que o comandante do Exército não consultou os seus pares, os comandantes da Marinha e da Aeronáutica? E não apenas o alto comando do Exército?!

Outra questão, qual a finalidade desta atitude do general? A resposta é:  Impedir a candidatura civil e eleger o candidato dos generais. O candidato do “partido”.

Um capitão da reserva que, respondendo a um processo por indisciplina e quebra da hierarquia militar, ia sendo expulso do Exército por ser considerado indigno do oficialato.

Militante declarado da extrema direita e proto nazifascista, portanto!

Por que então foi ele o candidato escolhido? Por ter sido um mal militar — como disse dele o general Ernesto Geisel?!

O hoje presidente defende a tortura, o assassinato político daqueles que divergem dele. Já pediu o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

Disse e afirmou: Que a democracia no Brasil depende das forças armadas e não da Constituição!

Diante de fatos tão graves, da demonstração de força do todo poderoso “partido”, não faz qualquer sentido se falar em:  Democracia brasileira, em estado de direito.

Vivemos, de fato, num regime de exceção! Porque não passa disto esta atual “democracia tutelada ou consentida.”

O NEGACIONISMO

O “ Senhor presidente” na prática de um negacionismo obtuso, negando a ciência e a razão,  subestimou a pandemia do covid-19. Denegando todas as recomendações médico-científicas, condenando as vacinas e o uso de máscaras.  Receitando poções mágicas como a cloroquina, na prática explícita de curandeirismo.

Deve ser responsabilizado pelo genocídio de mais de 350 mil brasileiros. Dá risadas e faz chacotas dos que estão lamentando as mortes dos seus entes queridos!

Por que, com tudo isto, ele não foi defenestrado do governo?! É mantido no poder pela força e influência dos generais do seu todo poderoso “partido”.

Disse o general Pery Constant Bevilacqua, um militar disciplinado e disciplinador: Quando a política entra no quartel pela porta da frente, a disciplina sai pela porta dos fundos.

O Brasil precisa de forças armadas, sim! Precisa de um Exército, sim! Mas não de um “partido fardado” politiqueiro e indisciplinado!

O exército que hora ocupa Brasília não tem nada a ver com o proclamado Exército de Caxias.  É o “partido fardado”, o exército de ocupação da Capital.

O menosprezo e a hostilidade para com os outros poderes do país é uma marca registrada de uma certa parcela do Exército.

Quando voltaram da guerra contra o Paraguai, se arvoravam salvadores da pátria. E tratavam com desprezo os membros dos poderes legislativo e judiciário, a quem chamavam de os casacas. Os deputados federais e senadores, juízes e ministros dos tribunais, eram os casacas.

E ainda hoje, 2021, exigem um tratamento diferenciado. Serem tratados como os únicos brasileiros íntegros, honestos e patriotas é uma exigência! Não podem nem devem ser criticados, pois estão acima do bem e do mal.

Chegando neste ponto, precisamos traçar o perfil do “partido”, pois ele tem data de nascimento e certidão.

O GOLPE REPUBLICANO

A proclamação da república dos generais, o golpe republicano do 15 de novembro de 1889, pariu o “partido fardado”.

E gerou o herói repressor. Figura monstruosa que pariu o torturador.

A ANARQUIA MILITAR

A seguir à proclamação militar da república, desencadeia-se a anarquia militar. Eram as dores do parto do “partido fardado”.

Fala a história: “Mais grave e prenhe de consequências é a anarquia militar: a luta pelo poder leva os militares nos Estados e no Distrito Federal a tomar atitudes individuais que se chocam contra a própria hierarquia e a disciplina.

A ambição pessoal e as oportunidades criadas pelo regime levam parte da oficialidade a se dedicar à política, o que permite a formação de acordos e de choques entre grupos.

Nos Estados, quase todos os cargos do governo e grande número de postos civis são ocupados pelos militares: a cada crise que surge, a reação individual dos militares se garante com a utilização de tropas.

Manifesta-se a indisciplina, o abandono dos corpos pelos seus comandantes e ‘o coronel Solon, por exemplo, depois que deu para patriota de rua, nem comparece mais ao quartel.’ (palavras de Deodoro).

Diante disto, o Ministro da Guerra diz ser preferível (15.3. 1890) ‘não haver exército do que haver um desmoralizado. Dissolvê-lo-á, pois, se a tanto for compelido pela anarquia e desrespeito ao princípio militar’” ]

Nota: Observe-se que as críticas são do próprio Presidente da República, marechal Deodoro da Fonseca e de Benjamin Constant, Ministro da Guerra (hoje comandante do Exército).

A indisciplina, de braços dados com a politicagem, continuou como regra por toda a República Velha.

Os velhos generais envolvidos com a politicagem se distanciavam cada dia mais da oficialidade jovem.

Sobre este fato diz Edgard Carone: “Uma grande parte da oficialidade velha continua a pensar no Exército como um instrumento de pressão para suas ambições pessoais, de ocupar lugares na cúpula governamental; mas a partir da revolta dos sargentos, uma geração militar nova retoma, com maior profundidade, as críticas ao sistema político vigente e não vai mais se contentar com a atitude dúbia existente, o que leva fatalmente aos movimentos revolucionários dos anos de 1920. …”

O TENENTISMO

O tenentismo se posicionava como oposição às velhas práticas do coronelismo. E às alianças dos velhos generais com as oligarquias latifundiárias.

Os tenentes queriam derrubar as oligarquias, mas não tinham um programa. Não tinham o que colocar no lugar delas.

Aos trancos e barrancos, os movimentos militares de velhos generais ou de jovens tenentes, são arroubos do “partido” que nasceu em 1889, com a república dos generais. E só enxergam soluções militares para os problemas brasileiros. Quarteladas!

O movimento tenentista dominou toda cena política na década de vinte. Os tenentes queriam dominar politicamente o Brasil. E dominaram.

Sempre apegados aos impérios, por quem têm amor e veneração! Os nossos militares sustentam a colonização continuada. Ao se curvarem em atitude servil frente aos impérios.

Anteontem ao Império lusitano, ontem ao Império Britânico e hoje ao Império ianque.

O anticomunismo é a mais poderosa arma ideológica do “partido fardado” na luta em defesa dos interesses do Tio Sam.

Temem, morrem de medo do nacionalismo! Não do comunismo que não existe. O medo, pavor ao comunismo, não passa da melhor justificativa para servirem servilmente ao Império ianque. Pelo qual dão a vida!

E não se confunda nacionalismo, a defesa do patrimônio nacional, com patriotada. Civismo vazio, que com o peito coberto de medalhas, defende as cores da bandeira e entrega as riquezas conquistadas pelo povo à metrópole ianque, ao Tio Sam!

Treinados e adestrados nas escolas militares e quarteis ianques, onde aprendem a defender os interesses da metrópole, os combatentes do “partido fardado” voltam enxergando um estranho patriotismo com sinais trocados. São ideologicamente daltônicos. Trocam o verde e amarelo do nacionalismo pelo vermelho do comunismo.

Enquanto isto, os filhos do Império quebram as empresas do país! Entregam todo o patrimônio nacional à metrópole ianque. Vide Lava Jato e a política econômica de saque e rapinagem.

Entregaram o pré-sal, estão desmontando a PETROBRÁS e “vendendo” por partes. Planejam “vender” a ELETROBRÁS. Tudo a preço de massa falida!“ Ser nacionalista é crime, lutar pela soberania nacional é crime! Amar o Brasil é crime!

Nos debates da Assembleia Constituinte, em 10 da abril de 1823 disse Martim Francisco de Andrada, irmão de José Bonifácio: “ Grande Deus! Já é crime amar o Brasil, ser nele nascido e pugnar pela sua independência e as suas leis!”

É crime se amar o Brasil, sim, Martim Francisco! E o “partido fardado” persegue o criminoso. No início da década de cinquenta, o povo foi às ruas na campanha de O Petróleo é Nosso. Eram nacionalistas que lutavam em defesa do interesse nacional.

Milhares foram presos e torturados. Muitos morreram nos confrontos nas ruas ou nas câmaras de torturas. Reprimidos como perigosos comunistas, agentes de Moscou e Pequim.

Quem falasse no quartel que o Brasil tinha petróleo poderia ser preso em flagrante e torturado até provar que era comunista.

E neste entremeio tivemos a assinatura do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, um pacto colonial mal disfarçado!

O ódio à esquerda e ao PT, em particular, aqui já está explicado!

ELEIÇÕES NO CLUBE MILITAR

As eleições do Clube Militar em 1950 constituem  mais um capítulo da luta entre nacionalistas que defendiam os interesses do Brasil — o petróleo é nosso — e o “partido fardado” que defendia os interesses das petroleiras ianques.

Depois de golpes e mais golpes, sempre tentando enquadrar o povo, como se o país fosse um quartel, veio 1964, o mais cruel de todos.

A matança cruel nas câmaras de torturas, foi dura e impiedosa! Os militares que tentaram resistir ao golpe, nos quartéis, navios e bases navais e aéreas foram massacrados.

A atuação do Império ianque se fez presente com o embaixador Lincoln Gordon no comando político e o adido militar Vernon Walters no comando do “partido fardado”. O Tio Sam não brinca!

A TRAGÉDIA

O Brasil é um dos países mais ricos do mundo. Talvez o mais rico. No nosso subsolo encontram-se mais de 90% de todos os minerais do planeta. O solo riquíssimo do nosso país produz alimentos em grande escala.

Mas a desigualdade econômica e social é uma das maiores do mundo.

A miséria na periferia das grandes cidades é chocante, diria pavorosa! Centenas de milhares de crianças sobrevivem abandonadas pelas ruas! As crianças são o futuro de qualquer povo, ou nação. E o povo que não cuida de suas crianças não tem futuro!

Mas isto não diz nada aos generais do “partido fardado”! Não é com eles, que estão muito preocupados com o “comunismo”.

Quem esquece os gravíssimos problemas brasileiros e tenta encobri-los com mantra ideológico do anticomunismo é um filho do Império ou combatente do “partido” em qualquer dos casos um traidor!

Ilha de Paquetá, abril de 2021

Imagem da capa da postagem:  trabalho do artista plástico, jornalista e escritor Enio Squeff

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