O pequeno museu da Pequena África

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Um ponto de partida para visitar a parte mais africana da cidade no mês da Consciência Negra

Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora




O #RioéRua anterior encontrou o acarajé mais saboroso para celebrar o status de patrimônio de valor histórico e cultural na Pedra do Sal. Mas estamos no mês da Consciência Negra e fica quase obrigatório voltar à Pequena África, esse canto da cidade, nos bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa, onde a presença africana é mais forte. E, antes de escolher qualquer roteiro, comecei pela visita ao Muhcab –  Museu da História e Cultura Afro-Brasileira – instalado em um palacete erguido no século 19, onde Dom Pedro II inaugurou, em 1877, a primeira escola pública do país. Desde 1986, quando foi restaurado e reaberto como Centro Cultural José Bonifácio, o espaço foi pensado com lugar de preservação da cultura afro-brasileira e a futura sede de um museu com a mesma inspiração.

O Museu da História e Cultura Afro-Brasileira: ponto de partida para visita à Pequena África no Rio de Janeiro (Foto: Thomaz Silva / Agência Brasil - 30/11/2022)
O Museu da História e Cultura Afro-Brasileira: ponto de partida para visita à Pequena África no Rio de Janeiro (Foto: Thomaz Silva / Agência Brasil – 30/11/2022)

Estive lá em 2017, pouco depois de voltar ao Rio após oito anos em Salvador, levado pela notícia da criação por decreto do Museu da História e Cultura Afro-Brasileira, mas nada havia de museu, além de uma placa anunciando do que ali haveria. A inauguração veio apenas em 2021 – o Muhcab tem hoje um pequeno acervo e, no seu próprio conceito, é um museu de território para representar a região da Pequena África. Para o visitante, serve como roteiro para 15 lugares de memória que podem ser alcançados a pé para um mergulho na história dos negros escravizados.

O Cais do Valongo, Patrimônio da Humanidade reconhecido pela Unesco, em preparativos para a celebração da Consciência Negra: marco da escravização dos africanos (Foto: Oscar Valporto)
O Cais do Valongo, Patrimônio da Humanidade reconhecido pela Unesco, em preparativos para a celebração da Consciência Negra: marco da escravização dos africanos (Foto: Oscar Valporto)

O museu é um ótimo ponto de partida para conhecer a Pequena África a começar pelo seu acervo, que inclui peças encontradas no Cais do Valongo, onde desembarcaram grande parte dos dois milhões de africanos escravizados trazidos para cá durante quase três séculos. Patrimônio Mundial da Humanidade reconhecido pela Unesco, o sítio arqueológico do Cais do Valongo é a principal referência para o museu de território, mas, na mesma calçada do Muhcab, funciona o Instituto Pretos Novos. Ali, num imóvel que passava por reformas, foi descoberto em 1996 outro sítio arqueológico, através de fragmentos encontrados durante obra – pesquisadores identificaram que funcionou de 1769 a 1830, o Cemitério dos Pretos Novos, destinado aos africanos escravizados que não resistiam aos maus tratos da captura e da viagem transatlântica e chegavam mortos ao morriam logo após o desembarque.

O Muhcab conta ainda com pinturas – incluindo quadros de Heitor dos Prazeres, sambista popular no início do século passado, o primeiro a usar o termo Pequena África para se referir a região. E com fotografias de Augusto Malta, verdadeiro historiador da cidade através de suas lentes, retratando os morros vizinhos: o Morro do Livramento, onde nasceu Machado de Assis, o Morro do Pinto, o Morro da Providência, antes chamado de Morro da Favela, o primeiro a ser ocupado por casas improvisadas (no fim do século 19, por ex-combatentes da Guerra do Paraguai) e que tornaria “favela” sinônimo de comunidades urbanas de habitações informais.

Os morros da Providência (então Morro da Favela), do Pinto e do Livramento nas fotos de Augusto Malta no Muhcab: reduto das comunidades negras na Pequena África (Foto: Oscar Valporto)
Os morros da Providência (então Morro da Favela), do Pinto e do Livramento nas fotos de Augusto Malta no Muhcab: reduto das comunidades negras na Pequena África (Foto: Oscar Valporto)

Meu caminho, após a visita, me levou a outro morro vizinho histórico, o Morro da Conceição, porque queria, no mês da Consciência Negra, passar pelo Cais do Valongo e pelos lugares onde funcionaram os antigos mercado e depósito de escravizados. É nesta vizinhança a subida oeste do Morro da Conceição onde ficam o Jardim Suspenso do Valongo, com estátuas do antigo Cais da Imperatriz, como o antigo porto de desembarque dos escravos foi batizado após a reforma para a receber Teresa Cristina, mulher de Pedro II. As ruas bem cuidadas e urbanizadas do Morro da Conceição levam até a Pedra do Sal, antigo quilombo, bem perto da Praça Mauá.

Neste mês da Consciência Negra, são muitas as celebrações no Rio de Janeiro, especialmente aqui na Pequena África e imediações – inclusive, com o já tradicional Cortejo da Tia Ciata, no feriado estadual do Dia da Consciência Negra, que segue até a estátua de Zumbi dos Palmares. O Museu de Arte do Rio, na Praça Mauá, tem exposições relacionadas à cultura brasileira e suas raízes africanas – Funk: Um grito de ousadia e liberdade; Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os Brasileiros; “Gira da poesia: 15 anos de Slam no Brasil” – além de promover a XI Jornada de Educação e Relações Étnico-raciais, com objetivo de reunir professores, educadores, pesquisadores, artistas e outros interessados na troca de experiências e projetos focados em como a arte e a cultura podem contribuir para a construção de uma educação antirracista. E, no pequeno grande Muhcab, são oficinas, lançamento de livros, debates e rodas de samba.

(Parêntesis final para quem gosta de museu e tem interesse na Pequena África, neste mês da Consciência Negra: quem já viu garante que é imperdível a exposição Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou, aberta no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, que reconstitui a cena cultural entre os anos 1910 e 1940)

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