O peso do ajuste fiscal na crise do Espírito Santo

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Publicado no Portal Vermelho – 

Repetidamente elogiado por analistas de mercado e colunistas de economia em razão da implementação de um duro ajuste fiscal no estado, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, começa 2017 mergulhado no caos da segurança pública.

Uma greve branca tirou das ruas a Polícia Militar. Impedidos de cruzar os braços, os PMs mobilizaram familiares para “impedir” a saída das rondas dos quartéis. Sem policiamento nas ruas, uma onda de saques violentos, assaltos e assassinatos (75 mortes em quatro dias) espalhou o pânico entre os capixabas, principalmente entre os moradores da capital Vitória.




 Ainda que outros elementos, anteriores ao enxugamento das contas públicas, alimentem o protesto de parentes e policiais, os cortes de verbas para equipamentos de segurança e a precarização das condições de trabalho parecem ter sido o estopim de uma insatisfação antiga da PM do Espírito Santo.

Desde 2015, Hartung (PMDB-ES) promove um forte contingenciamento de verbas. Segundo a Secretaria de Economia e Planejamento, o ajuste resultou em um corte do Orçamento em 2016 de 1,3 bilhão de reais. Também foram feitos decretos com medidas de redução de gastos, o que gerou superávit de cerca de 40 milhões de reais, segundo o governador.

Ao propagandear os louros de sua gestão, Hartung tem comparado a atual situação fiscal com aquela de dois anos atrás, quando o estado registrava um déficit de 1,5 bilhão de reais. Essa economia tem sido feita, no entanto, sem que se pese as consequências para as atividades fundamentais, entre elas a segurança pública. É o que alegam policiais militares ouvidos pela reportagem de CartaCapital em condição de anonimato, por receio de represálias.

“A política do nosso governo é o seguinte: enxugar todos os gastos da segurança e educação para não sei aplicar onde. Ele está fazendo superávit e o servidor público está sendo chicoteado”, diz um PM. “Eu tenho cota de gasolina para gastar nas viaturas. Tenho que ficar parado três ou quatro horas para não gastar combustível, é justo? É a sociedade que perde. Se a gente gastar além da cota, sofremos sanção disciplinar”.

De acordo com informações da Associação dos Oficiais Militares do Espírito Santo, os policiais estão sem aumento real de salário há sete anos, o que revela que parte da crise nasceu antes do arrocho aplicado pelo governo Hartung. Entretanto, os policiais também estão sem reajuste com base na inflação há quatro anos, dois deles sob a administração do atual governador. “Estou há nove anos na Polícia Militar, comecei recebendo cinco salários mínimos, hoje eu recebo quatro salários mínimos e meio”, afirma um policial. O piso dos rendimentos de um soldado é de 2,6 mil reais. A média nacional, segundo a associação, é 3,9 mil.

Os dados do Portal da Transparência do Espírito Santo mostram que apesar do orçamento da Polícia Militar estar no mesmo patamar há três anos, em torno de 1,1 bilhão de reais, o remanejamento das verbas pode ter precarizado as atuais condições de trabalho da PM. Os policiais reclamam, por exemplo, da falta de equipamentos importantes para a segurança das tropas. “Viaturas ficam sem gasolina, com pneus carecas e muitas vezes sem condições de uso, mas o secretário não quer negociar”, diz uma das montagens propagadas por PMs em grupos de whatsapp.

As despesas com armamentos, e manutenção, que chegou a ser de 3,9 millhões de reais em 2014, ano do déficit, baixou para 127 mil reais em 2016. Outro item que chama atenção nas contas públicas é o de equipamentos e material permanente. Há três anos, o investimento nessa área alcançou 23 milhões de reais. Atualmente, esse número baixou para o patamar de 4,1 milhões de reais.

Outra fonte de investimento da Polícia Militar que sofreu um corte significativo foi o Fundo Especial de Reequipamento da Polícia Militar (Funrepom) , cujo valor investido caiu de 3,9 milhões de reais em 2014 para pouco mais de 1 milhão no ano passado. O Funrepom foi criado para complementar os recursos da PM e dotar a instituição de veículos de uso policial e implementos de telecomunicações. Por lei, esses recursos são provenientes de imposto, arrecadação de multa e até doação federal, o que pode ser responsabilidade, em parte, do governo Michel Temer. O próprio Hartung alterou a lei que rege o Funrepom, no fim de 2015, para que o governo estadual pudesse usar 50% desses recursos com “cobertura de custeio” da Polícia Militar.

O mesmo impacto foi sentido pelo Corpo de Bombeiros . A verba destinada pelo Fundo Especial de Reequipamento do Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo baixou de 6,4 milhões de reais para cerca de 1,5 milhão entre 2015 e 2016. Antecessor de Hartung, o ex-governador Renato Casagrande (PSB) enfatiza suas críticas nessas questões e rebate os argumentos de que o déficit registrado em 2014 representasse necessariamente más condições das contas públicas.

“O governador Hartung esquece de falar que o estado fez déficit, em 2014, porque tinha dinheiro poupado. Deixamos 2 bilhões de reais em caixa, livre, quando saímos do governo. E ele também fez déficit em 2009 e 2010”, rebate Casagrande. “O ajuste dele se baseou em corte de investimento, em política zero de reajuste para servidor”.

Ajuda federal

A situação capixaba flevou a bancada do estado no Congresso a intermediar o pedido o envio de tropas da Força Nacional e do Exército, respectivamente. Em resposta, o governo anunciou o envio de 200 integrantes da Força Nacional. O Exército disponibilizou outros mil homens. O contingente está longe de evitar os saques e assaltos à população. Pelas redes sociais, moradores da Grande Vitória continuam a registrar relatos de violência. Diariamente, a PM costumava colocar em torno de 2 mil homens nas ruas, número superior aquele enviado pelo governo federal.

O caos explodiu quando Hartung se afastou do governo para se submeter a uma cirurgia em São Paulo. Na quarta-feira 8, ainda convalescente, o governador convocou uma entrevista coletiva para reforçar seu apoio ao vice, César Colnago, e confrontar os grevistas. “O que está acontecendo no Espírito Santo é chantagem. É como sequestrar e pedir resgaste. Não vamos ceder a chantagens”, afirmou, antes de pronunciar uma frase que explica seu sucesso entre economistas ortodoxos e agentes do mercado financeiro. “Temos de cumprir a lei de responsabilidade fiscal”.

Para o deputado Givaldo Vieira, o governo federal não entendeu a proporção dessa crise ao enviar um número insuficiente de oficiais para o estado. Vieira também alerta para o risco dessa “insatisfação generalizada” se espalhar para outras unidades da federação.

“Acho que a crise da segurança pública do Espírito Santo é o resultado mais visível, nesse momento, da política de arrocho fiscal, de cortes e da não concessão de reajuste aos servidores públicos”, defende. “Essa crise pode ser o prenúncio do conjunto de outras crises. Acho que o governo e a opinião pública não compreendem a seriedade do que está acontecendo e a possibilidade de se desencadear uma onda de reações violentas. Vi manifestações de familiares dispostos a usar essa mesma estratégia no Rio de Janeiro.”

A reportagem tentou contato com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo, mas não obteve retorno. Também procurou a assessoria de imprensa do governador estadual, que ainda não se pronunciou ou respondeu aos questionamentos desta reportagem.

 Fonte: Carta Capital

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