O poeta Leminski em entrevista ao poeta Ademir Assunção: “Eu faço poesia como a aranha faz sua teia”

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Por Ademir Assunção, Facebook – 

Eu sei, é textão, mas vale a pena ler a primeira parte desta entrevista de Paulo Leminski – que fiz com ele em 1986. Foi publicada no livro Faróis no Caos (Sesc Edições, 2012). Aos poetas (e também aos leitores de poesia) é alimento de altíssimo valor nutritivo. Dá o que pensar. Por isso sempre digo: minhas conversas com Leminski (e foram muitas) me valeram mais do que um curso inteiro de Letras na USP.

Leminski e Ademir Assuncao

ADEMIR – A ideia de inutensílio, de que a arte não serve a causa nenhuma, como você teorizou em um ensaio, certamente acabaria em uma boa troca de sopapos em um simpósio sobre o papel da poesia nas transformações sociais brasileiras. Essa rebeldia contra a transformação do prazer estético em mercadoria é uma atitude diante da linguagem?




LEMINSKI – O (linguista russo) Roman Jakobson traz uma contribuição importante quando diz que existe uma função poética na linguagem, que é quando o discurso incide sobre a própria linguagem. É o prazer do homem na prática da linguagem. É como Freud distinguia: o princípio do prazer e o princípio da realidade. O princípio da realidade, no uso da linguagem, seria a função referencial, que é quando a linguagem se refere a uma coisa exterior a ela mesma. E o princípio do prazer é quando a linguagem é o puro exercício do prazer. É um caráter lúdico da linguagem, que é inegável. Porque a linguagem é a obra-prima do homem, é a condição da sociabilidade dele. Então, a poesia é realmente isso. A gente precisa resgatar a g randeza da ideia de brincar com a linguagem. Para algumas pessoas é até a brincadeira suprema, que pode ser a razão de ser da sua vida.

ADEMIR – É esse sentido de prazer com a linguagem que impulsiona o seu trabalho?

LEMINSKI – Eu faço poesia como a aranha faz sua teia. Não tem porquê. Estou além do porquê. É o resto da minha vida que tem que se explicar em relação a isso. Esse é o resultado do meu viver. A minha poesia, para mim, é uma atividade intransitiva. Como pular o carnaval. Não se pula o carnaval para alguma coisa. Simplesmente pula-se. Ou não. E pode-se fazer disso um exercício de sadismo ou de masoquismo.

ADEMIR – O exercício da linguagem é um exercício sádico?

LEMINSKI – É um exercício de poder. Porque o idioma é um fato acabado. Quando você nasce, já nasce no interior de uma determinada língua. A língua é uma fatalidade, como você ter nascido homem, mulher ou corcunda.

ADEMIR – Existe alguma língua melhor do que outra para a poesia?

LEMINSKI – Não existe nenhuma língua no mundo que seja superior a outra quanto ao seu potencial expressivo. Todas as línguas são igualmente capazes de expressar, são igualmente ricas, musicais. A questão toda tem a ver com a experiência histórica do povo que fala essa língua. A língua grega, em si, não é dotada de propriedades que a tornem superior à língua vietnamita. Tudo vai das circunstâncias. A questão toda é você perguntar, por exemplo, se Shakespeare seria o grande teatrólogo que é se ele não tivesse vivido durante o apogeu imperial da Inglaterra.

ADEMIR – Depende da importância que o país que fala aquela língua consegue obter no contexto mundial?

LEMINSKI – É. Veja o caso do português. Camões teve a sorte de escrever em português em um momento imperial. A sorte que um Fernando Pessoa já não teve: ele fez uma grande poesia portuguesa, mas escreveu num momento em que Portugal não era mais nada. Portugal é apenas a sombra de um passado que já houve. Então, você é vítima, é uma espécie de objeto sexual da língua em que nasceu. Você não pode ser maior do que ela. Você pode escrever um grande poema épico num dialeto da Índia e não adianta nada, ele não terá realmente um reconhecimento planetário. O português é uma província, em nível planetário. O português é mais do que o basco mas é menos do que o espanhol. Nesse sentido, o poeta, o escritor, a gente qu e lida com a palavra, a gente é vítima da nossa língua.

ADEMIR – Dentro disso, algum futuro promissor para a língua portuguesa?

LEMINSKI – O problema não está na língua portuguesa. Está no que os falantes da língua portuguesa vão fazer de si. O dia em que o Brasil for uma grande potência mundial, em todos os sentidos, tecnológico, científico, artístico, a língua portuguesa ganhará um vulto maior. Não existe a língua portuguesa. A langue não existe. Existe a parole, naquela distinção de Saussurre. O ato de falar é que existe. Ninguém sabe onde é que está a langue. Está em Machado de Assis, em Guimarães Rosa, em você, em mim? A langue não está em lugar nenhum. Ela está em todos e não está em lugar nenhum. Ela é como Deus, é onipresente. Você só verá a parole, a manifestação. Dentro da tradição cr istã, a parole seria Jesus. Você não vê Deus. Você verá Jesus, verá a encarnação. A parole é a encarnação da langue. Onde é que está a língua portuguesa? Ela está, como uma possibilidade de seus falantes, tanto em Guimarães Rosa quanto em Sebastião da Silva, que é estivador no porto de Santos. Todos eles, no ato da parole, tornam real a langue, que é a língua portuguesa, a qual não está em lugar nenhum. Então, no caso do masoquismo, é a ditadura da langue sobre a parole.

ADEMIR – E no caso do sadismo?

LEMINSKI – Em termos de texto, seria o caso da poesia dita experimental, por exemplo, na qual você pode violar as regras, e essa violação é portadora de uma valoração positiva. As vanguardas são momentos de sadismo, momentos em que o criador se volta contra a langue e faz imperar sua parole.

ADEMIR – A poesia brasileira tem mais masoquistas do que sádicos?

LEMINSKI – Muito mais masoquistas. Em todos os lugares. O masoquismo é a regra e o sadismo, a exceção.

ADEMIR – Esse masoquismo acontece também em outras manifestações artísticas ou apenas na cultura letrada?

LEMINSKI – Se estendermos isso também às formas herdadas, e não apenas ao idioma, vamos perceber que quando você nasce já se insere em uma determinada tradição – e você vai ter que se relacionar com ela. Já tem todo um estoque, um elenco de formas prontas e acabadas. Ou você as aceita, e se torna um acadêmico, ou você as nega, as agride, as estupra, as dinamita. Quer dizer, você opera artisticamente já no interior de um código. Se você quiser mexer nas formas, é por sua própria conta e risco.

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Se quiser ler a entrevista inteira, está disponível no meu site. Vá à aba “Livros”, em seguida clique na capa de Faróis no Caos.

www.zonabranca.com.br

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