O pouco que nossas autoridades nos contaram sobre justiça climática

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Plano Nacional de Adaptação é para ontem: há muitas cidades e territórios sem a resiliência suficiente para enfrentar a crise climática

Por Andréia Coutinho Louback, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: As ministras Marina Silva, Sônia Guajajara, Luciana Santos e Aniele Franco na oficina ‘Justiça climática: um novo caminho para adaptação no Brasil’: urgência de um Plano Nacional de Adaptação para enfrentar a crise do clima (Foto: Felipe Werneck / MMA)

Sou a mais nova residente da capital do Brasil. Após três décadas morando no Rio de Janeiro, entre breves fugas e intervalos em estados e países, fiz minha primeira mudança interestadual depois de adulta. Embora não seja sobre isso especificamente que eu queira escrever, vale ressaltar o quanto estar em Brasília, no Distrito Federal, em tempos de pós-degradação democrática é um alívio. Aquele sentimento de “enfim, sobrevivemos” é uma aura coletiva pelos cantos da cidade. 

Em uma semana em terras brasilienses, a missão da agenda do clima já me convocou, pelo menos, umas quatro vezes. É um sentimento meio de atropelamento versus “já que estamos aqui, vamos que vamos”, uma vez que estou vivendo o que eu tanto desejei: presenciar o tema de justiça climática se tornar um debate de interesse público. Por isso, queria me debruçar sobre quatro momentos e discursos muito importantes que acompanhei bem de perto por aqui.

Primeiro, a “Oficina de justiça climática: um novo caminho para adaptação no Brasil“, que foi realizada no último dia 4 de setembro, na sede do ICMBio. Organizada pelo Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, por meio da Secretaria Nacional de Mudança do Clima, o evento estreou o início de uma série de futuros encontros estratégicos rumo à Estratégia Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. Aproximadamente 150 participantes de diferentes organizações da sociedade civil e órgãos federais lotaram o auditório.

O evento foi transmitido online e mais de 200 pessoas acompanharam a transmissão de diferentes estados e cidades do Brasil – e do mundo. Minutos antes do encontro inicial, estava fazendo retrospectivas do quanto perdemos e regredimos nos últimos quatro anos na falta de gestão de Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, e como o movimento ambientalista encontrou caminhos de resistência e sobrevida, pois os tempos e perspectivas eram de morte. 

Logo na mesa de abertura, presenciamos explanações — breves, porém consistentes — de representações dos ministérios ao compartilharem suas reflexões sobre o tema. Eu estava realmente ansiosa para ouvir, anotar e captar as propostas de cada ministra para a agenda. Enquanto a ministra Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, falou sobre a questão da transversalidade e reforçar a mensagem de que os indígenas são os maiores guardiões das florestas, Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, abriu o discurso criticando que a tese do marco temporal é inconstitucional e levantou alertas ao apontar a incerteza sobre o dia de amanhã em tempos de “ebulição global”. 

Em seguida, ouvimos Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação. A fala dela logo me capturou quando ela disse que “a ciência precisa de diversidade para ser plural”. Óbvio, eu pensei. Mas ela prosseguiu fazendo um complemento do conhecimento científico a serviço da política pública como uma das únicas saídas para enfrentar desafios históricos. A ministra reforçou a necessidade de uma ação coordenada, que só é possível com a força tarefa do governo com a iniciativa privada, sociedade civil e academia. 

Por fim, encerramos o primeiro momento com a mais esperada de todas. Para mim, a mais sábia, a mais sensata e assertiva do nosso tempo presente. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e da Mudança Climática nos fez a seguinte pergunta: “como é que vamos fazer a reparação?” — e aqui ela estava se referindo à reparação de futuro, sim. Na mesma linha de raciocínio, a ministra – de forma muito eloquente – equiparou as estratégias de mitigação, adaptação e transformação. Transformação esta que considera o saber da agricultura familiar, do aprimoramento dos processos em nossas comunidades, que considera o saber milenar dos povos indígenas e do povo preto do nosso país. E que, sobretudo, “considera o melhor da nossa ciência que já está aqui”, encerrou a ministra. 

Houve outras falas e intervenções que eu poderia abordar em outro momento, mas terminei o dia reflexiva com a consistência e encaminhamento do que ouvimos, dialogamos e discutimos. Em parte, porque não podemos mais esperar. O Plano Nacional de Adaptação com um horizonte de justiça climática é meio que “pra ontem”. Na imensidão do Brasil, há muitas cidades e territórios sem a resiliência suficiente para enfrentar a crise climática com recurso e infraestrutura. 

Cabe a nós, enquanto sociedade civil, monitorar e cobrar com força que o PNA saia do papel e seja, finalmente, implementado. O que não nos contaram é quando isso acontecerá na prática — e não em uma oficina de apresentações temáticas. Mas sobre isso a gente conversa depois… Estamos de olho!

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